quinta-feira, 27 de maio de 2010

Sentença - Subturma 5

Data do acórdão:26/05/2010
Tribunal:1ª SECÇÃO DO CA

Relatores:
DUARTE AMARAL DA CRUZ
JOÃO JOSÉ LUPI

Descritores:
Licenciamento ambiental
Dispensa de AIA
Projectos de Potencial Interesse Nacional Classificados como de Importância Estratégica
Direito de acesso a informação
Impugnação de acto administrativo
Cumulação de pedidos

Processos apensos: 00987345 e 324870/10

Sumário:
I – A construção de uma ETAR está sujeita a licenciamento ambiental e procedimento de AIA segundo o D.L. 69/2000 de 3 de Maio anexo II ponto 11 al. D)
II – Requerimento de dispensa do procedimento de AIA e exigibilidade de fundamentação e de circunstâncias excepcionais para a dispensa.
III - Proibição de colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas a medidas de protecção, em qualquer fase do seu estado biológico, com excepção das acções levadas a efeito pela Paisagem Protegida e das acções de âmbito científico devidamente autorizadas pelo mesmo, no âmbito do Decreto-Regulamentar que cria a Paisagem Protegida da Ribeira do Magano.
IV - Consagração de um princípio geral de direito de acesso à informação ambiental por parte dos particulares.
V - Impugnação do acto de dispensa de AIA segue o procedimento da acção administrativa especial na modalidade de acto administrativo.
VI - Anulação de um alvará segue o procedimento da acção administrativa especial na modalidade de impugnação de acto administrativo.

RELATÓRIO:
I - AUTORES:
a) NEREU SALGADO, Presidente da Junta de Freguesia de Águas escuras, pessoa colectiva de direito público número 985437821.
b) ASSOCIAÇÃO AMIGOS DAS ÁGUAS ESCURAS, pessoa colectiva de direito privado portadora, com sede na Rua das Túlipas nº9, freguesia de Águas Escuras, Concelho de Vila Pouca de Alarico, registada sob o nº 497365276.
c) JORGE NEPTUNO, NIF nº 723670051, titular do Bilhete de Identidade n.º 13256907. Emitido em 07/05/1968 pelos serviços de identificação Civil de Vila Pouca de Alarico, casado, empresário, com residência na Rua Gentil Martins nº8, 7688 – 506 Vila Pouca de Alarico.
II - RÉUS:
a) CONSELHO DE MINISTROS.
b) JOÃO SEBASTIÃO & FILHOS, S.A., pessoa colectiva nº 503.658.354, com sede em Rua do Sol nº104, São Paulo, Brasil, representada por João Sebastião Ribeiro Júnior, com residência ocasional na Rua dos Cravos, nº32 2º Dto., 2346-192 Lisboa
c) CÂMARA MUNICIPAL DE VILA POUCA DE ALARICO, Representada pelo Sr. Presidente da Câmara, o Dr. Alberto Abrantes (Artigo 68.º; n.º 1; alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro), com domicílio profissional na Rua da Facilidade, n.º17; 1800-033 Vila Pouca de Alarico.

1 – A multinacional JSR & Filhos, SA pretende instalar uma Estação de Tratamento de águas Residuais (ETAR) no lugar de Águas Escuras destinada a servir a população de Vila Pouca de Alarico, município com cerca de 65.000 habitantes.
2 – A empresa pretende expandir a curto prazo a sua actividade de forma a abranger também os mais de 50.000 lares dos concelhos limítrofes.
3- A referida empresa vai criar 40 postos de trabalho directos e 85 indirectos.
4 – O Presidente da Câmara considera que o projecto vai trazer emprego e investimento estrangeiro.
5 – Houve negociações informais entre os representantes da empresa JSR & Filhos S.A e o Presidente da Câmara.
6 – Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.
7 – Uma das várias razões invocadas para a dispensa foi o facto de o Plano de Pormenor de Águas Escuras, que já tinha sido sujeito a avaliação de impacte ambiental, prever uma instalação do género naquele local.
8 – Passados quatro meses o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacte ambiental, com fundamento no “profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior”.
9 – Dois dias após a publicação da resolução, o presidente da câmara de Vila Pouca de Alarico emitiu um alvará de licenciamento para o início das obras de instalação da ETAR.
10 – Também já tinha sido licenciada a expansão futura da instalação de forma a abranger um aterro de resíduos urbanos com capacidade de cerca de 25.000 toneladas.
11 – O terreno para construção localiza-se na área protegida da Ribeira do Magano.
12- A área abrangida pela construção da ETAR é de 4200 m2, sendo a dimensão da zona de transição de 20800 m2.
13 – De modo que os AA vêm pedir a declaração de nulidade da resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 que visa a dispensa de AIA para a construção da ETAR na reserva natural de Ribeira do Magano, criada pelo D.R. 35/2008 de 26 de Fevereiro.
14 - Os AA pedem declaração de nulidade do alvará n.º 13/10 emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, que aprova o início das obras da instalação da ETAR na freguesia de Águas Escuras.
15- Sendo esta uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, tendo sido cumulados os pedidos referidos, nos termos dos arts. 4º, nº1, 47º, nº4, a), e 21º. nº1, todos do CPTA.
16 - O autor. JORGE NEPTUNO requer ainda como condenação à entrega das plantas e informações requeridas sobre o projecto da construção da ETAR ou, subsidiariamente, condenação da Câmara Municipal de VPA ao pagamento de indemnização por todos os prejuízos sofridos pela construção da ETAR, incluindo lucros cessantes pela não venda do terreno 3.

17 - Os AA alegam o seguinte:
a) Que o local de licenciamento para construção encontra-se na área protegida da Ribeira do Magano, criada pelo Decreto-Regulamentar nº 35/2008 de 26 de Fevereiro dada a manifesta excepcionalidade do interesse ecológico regional da área em questão.
b) Encontra-se, segundo o artigo 9º do referido DR, numa zona de protecção especial, sendo de aplicar o seu regime legal específico.
c) A implementação de projectos que envolvam a instalação de estações de tratamento de águas residuais de capacidade superior a 60.000 hab/eq fica sujeito ao critério da inevitabilidade;
d) A zona em questão é considerada um ponto de atracção turistica com dimensão relevante, o que vai ser extremamente prejudicado com a construção deste ETAR.
e) Apenas devem ser aprovados os projectos que fundamentem o interesse manifesto, que possa contrabalançar o peso ambiental de que se reveste a zona de protecção mencionada.
f) Perante a extrema relevância do bem ambiental e do potencial dano irreversível que possa vir a ocorrer, deve dar-se preferência ao ambiente: in dubio pró ambiente, segundo a doutrina dominante, entre os quais Gomes Canotilho, quando existam dúvidas relativamente ao nexo causal entre uma actividade e os seus potenciais riscos para o ambiente, deve-se sempre decidir a favor do ambiente contra os potenciais agressores, prevalecendo os intereesses ambientais perante os interesses económicos.
g) Existe na Ribeira do Magano uma várias espécies protegidas, nos termos do pontos 19 e 20 da petição inicial proposta pelos AA, associação amigos das águas escuras.
h) Existem conhecimentos científicos sólidos acerca da possibilidade da sua afectação ambiental pela ETAR;
i) Há violação do princípio da precaução pois deveria ter sido considerado o mau enquadramento da ETAR na paisagem.
j) O AA Nereu Salgado alega, ainda, que Águas Escuras é uma região fortemente predominada pela agricultura pelo que vai determinar inconvenientes à construção da ETAR, pois uma parte da população de águas Escuras vai ver a sua actividade reduzida por falta de campos para plantação.
k) Haverá, ainda, diminuição das exportações de frutos e legumes para Espanha, uma vez que a maior parte do volume de exportações é feita por produtos desta zona.l) Haverá impacto negativo na flora local.
m) Considera o AA que não se fez uma ponderação adequada dos possíveis danos causados pela construção da ETAR.
n) O Presidente deveria ter apresentado o estudo de impacte ambiental (EIA) juntamente com o requerimento de dispensa de AIA;
o) Não deveria ter sido dispensada a AIA, uma vez que não se está perante circunstâncias excepcionais que possam fundamentar a ausência desta avaliação.
p) O AA declara que a dispensa de procedimento de AIA deveria ter sido decidido pelo Ministro Responsável pela área do Ambiente e pelo Ministro da Tutela e não pelo Conselho de Ministros, verificando-se a nulidade da dispensa.
q) O AA Jorge Neptuno alega, por sua vez, que, sendo proprietário de três terrenos no lugar de Águas Escuras, onde se desenrola toda a sua vida pessoal e profissional, seria prejudicado com a construção da ETAR, nomeadamente pelo facto de provocar poluição visual e sonora.
r) Afirma que o alvará emitido pela CM de VPA não foi devidamente fundamentado. E que, além disso, não foi afixado edital no Município nem foi publicado qualquer anúncio em nenhum jornal de grande circulação.
s) O AA em questão procurou informar-se junto da Câmara e não obteve nenhuma resposta.
t) Requereu, ainda, o acesso às plantas do projecto que lhe foi recusado sem qualquer fundamentação.
u) Não houve lugar a audiência dos interessados.

16 – Os RR contestaram nos seguintes termos:
a) O RR Conselho de Ministros alega a ineptidão da PI.
b) Foi apresentado um projecto de minimização ambiental, pela autoridade da AIA.
c) A resolução foi tomada em conformidade havendo assinatura do Ministro responsável;
d) O RR Alberto Abrantes, enquanto representante da camâra municipal de Vila Pouca de Alarico, contesta a existência da quantidade de turistas referida pelos AA.
e) A construção da ETAR está preparada para evitar impactos negativos no ambiente.
f) Deve-se ter em conta toda a conjuntura cultural e social que envolve a construção da ETAR que indica a presença de um interesse público, inclusive pelo facto de que a zona em questão é fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de desemprego e pobreza, podendo este projecto ser considerado um motor de desenvolvimento da área.
g) O interesse público em causa deve-se às especificidades da região já que se trata duma zona fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de emprego e pobreza e que o projecto da ETAR será considerado um motor de desenvolvimento da área, das condições de vida dos residentes.
h) Já o RR JSR SA alega que a construção da ETAR mantém um nível relativamente baixo de intervenção, já que não afecta a movimentação da terra e terraplenagem, logo não se prevêem alterações significativas na morfologia do terreno em causa.
i) Apesar de se tratar duma zona agrícola, não se prevê um impacto negativo no ramo da apanha das castanhas; a construção do ETAR vai benefeciar os agricultores na medida em que as vias de acesso vão ser melhoradas.
j) É urgente a construção da ETAR no Município de VPA, uma vez que irá satisfazer as necessidades dos seus munícipes e também dos habitantes do Município vizinho de Vila Muita de Alarico.
l) Todo o procedimento de dispensa de AIA foi respeitado.
m) O RR Presidente da Câmara Municipal de VPA foi citado pelos AA para contestar e não se pronunciou.

Perante estes factos e depois de produzida toda a prova pelas partes, dão-se como provados os seguintes factos:

MATÉRIA DE FACTO:

1) Petição Inicial (Jorge Neptuno):
- arts. 1º a 8º; 12º, 13º, 19º, 20º.

2) Petição Inicial (Associação Amigos das Águas Escuras):
- arts. 1º a 9º; 11º; 13º a 16º; 19º a 26º; 28º, 29º, 33º, 34º, 36º.

3) Petição Inicial (Junta de Freguesia):
- arts. 1º, 3º, 5º, 6º, 10º.

4) Contestação (João Sebastião & Filhos):
- arts. 8º, 10º, 11º, 15º.

5) Contestação (Conselho de Ministros):
- nada foi dado como provado.

6) Contestação (Câmara Municipal):
- arts. 13º, 15º, 18º, 20º, 31º, 32º, 33º, 40º, 49º.


Cumpre agora fazer um enquadramento jurídico da matéria de facto provada:

MATÉRIA DE DIREITO:

1) O projecto de construção da ETAR em causa está sujeito a AIA de acordo com o art. 1º/3, b) do Decreto-Lei 69/2000, em conjugação com o ponto 11º, d) do anexo II do mesmo diploma, bem como com o art. 2º, b), i), , os quais sujeitam a AIA os projectos de ETAR com capacidade superior a 50.000 habitantes, situadas em áreas sensíveis, como se revela no caso em apreço. A este respeito cabe também ter em conta o Decreto Regulamentar nº 15/99, o qual cria a referida área protegida.

2) O objectivo da classificação como área protegida é, nos termos do art. 12º do Decreto-Lei 142/2008, “conceder-lhe um estatuto legal de protecção adequado à manutenção da biodiversidade e dos serviços dos ecossitemas e do património geológico, bem como a valorização da paisagem”.

3) O procedimento de AIA pode ser alvo de dispensa, nos termos gerais mencionados no art. 3º, Decreto-Lei 69/2000.

4) Essa dispensa, para efeitos deste diploma, deve fundar-se em motivos excepcionais, o que reduz de certa maneira a margem de manobra desta decisão.

5) Qualquer projecto, de modo a ser considerado como PIN+, tem de o ser nos termos do art. 2º, Decreto-Lei 285/2007. Da conjugação do nº 1 deste preceito, numa leitura conjunta e conforme com a remissão aí feita, para o art.6º/1, conclui-se haver uma larga margem de discricionaridade para os Ministros competentes.

6) Em qualquer dos casos, ou seja, estando em causa tanto a aplicação do Decreto-Lei 69/2000, como do Decreto-Lei 285/2007, é necessário um requerimento para iniciar o procedimento de dispensa de AIA, o qual não existiu no caso em apreço.

7) Assim sendo, não se pode considerar devidamente iniciado este procedimento, pelo que se entende que ele enferma de invalidade.

8) Mas também se pode constatar que, para existir esta dispensa de AIA, deve haver, na decisão que a consagra, uma fundamentação suficientemente densa. Ela existe, de facto, mas o que aí se alega é no sentido da promoção do interesse económico em detrimento do interesse ambiental, o que consubstancia uma clara violação do princípio da integração, porque contrário ao propósito da classificação de uma zona enquanto área protegida.

9) Consideram-se igualmente violados os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, pelo que, por tudo o que foi dito, se considera a decisão do Conselho de Ministros como nula, nos termos do art. 133º, CPA.

10) Em relação às negociações entre JOÃO SEBASTIÃO & FILHOS, S.A e o Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, estas não estão conformes à lei aplicável, uma vez não respeitam o constante dos arts. 5º/1 e 2 e 6º, ambos do Decreto-Lei 285/2007, referente ao procedimento de qualificação do projecto como PIN+, pelo que este procedimento de dispensa de AIA estaria inquinado deste o início.

11) Consequentemente, sendo esta dispensa contrária à lei, ter-se-á que considerar anulável também o acto de licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, pois este somente poderia ter lugar nos termos em que ocorreu caso tivesse existido um procedimento de dispensa de AIA válido, o que não se verificou no caso concreto.

12) Quanto à circunstância de ao AA Jorge Neptuno não ter sido admitido o acesso à informação relativa ao procedimento tendente à instalação da ETAR, considera-se violado o disposto no art. 268º/1, CRP, bem como do art. 61º/1, CPA, e, mais especificamente, dos arts. 4º, 5º e 6º, LAIA.


DECISÃO:
Por todo o exposto, pelas apontadas razões de facto e de direito, este tribunal julga a presente acção procedente, acordando o seguinte:
Considera-se procedente o pedido de anulação pelos AA, do acto de dispensa de AIA, e, em consequência, do acto de licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, sendo tidos como nulos ambos os actos.

As custas em dívida a juízo serão suportadas pelos réus.
Registe e Notifique.
Lisboa,27 de Maio de 2010
João José Lupi
Duarte Amaral da Cruz

Sem comentários:

Enviar um comentário