quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sentença

Processo: 58962588LX
Supremo Tribunal Administrativo
Data: 26/05/2010

Nos termos do nº2 al.c) do art.4º do CPTA a acção procederá em forma de cumulação de pedidos.
Foram recebidos nos presentes autos as seguintes petições iniciais:

A) Presidente da Junta de Freguesia de Vila Pouca de Alarico (Nereu Salgado) intentou acção contra o Presidente da Câmara Municipal, Jorge Abreu, contra o Conselho de Ministros, pedindo a declaração do acto bem como a nulidade do Alvará;
B) Jorge Neptuno propôs acção contra o Conselho de Ministros e contra a Câmara Municipal, exigindo a anulação da licença da Câmara Municipal, bem como o despacho do Conselho de Ministros que dispensa o Procedimento de avaliação do impacto ambiental (doravante AIA), exigindo ainda a condenação da Câmara Municipal à prestação das informações requeridas.
C) Associação “Amigos das Águas Escuras” intentou acção contra o Conselho de Ministros e contra o Presidente da Câmara, pedindo a anulação do acto administrativo de dispensa do procedimento, a anulação do Alvará e também a condenação dos réus ao pagamento das custas judiciais.

Alega a Associação que o projecto não se integra no PIN + e por conseguinte não deveria ter havido dispensa de AIA; na medida em que se tratava de uma área protegida o projecto de ETAR não deveria ser construída naquela área; não houve audiência dos interessados, procedimento obrigatório de acordo com o art.100º do Código de Processo Administrativo.
Alega Nereu Salgado que não foi feito um estudo do impacto ambiental (EIA), que os réus não tinham competência para apresentar ao Governo o Projecto para que este submetesse a PIN+.
Jorge Neptuno alega ser proprietário de vários terrenos sitos em Águas Escuras, relativamente ao projecto de construção alega que houve falta de informação por parte da Câmara Municipal assim como o seu desconhecimento da sessão de esclarecimento; para além disso apresentou requerimento junto da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico em que requeria a consulta do processo, nomeadamente das plantas, ao qual alega não ter obtido resposta até à presente data; alega ainda estar em causa o Princípio da Prevenção (art.66º da Constituição da República Portuguesa).

Em resposta vieram os réus requerer a improcedência da acção, contestando as alegações iniciais nos seguintes termos:
Jorge Abreu declara que a audiência dos interessados se materializou numa sessão de esclarecimento, onde estiveram presentes os interessados, à qual não compareceu Jorge Neptuno, mesmo tendo sido notificado; reconheceu-se que a construção da ETAR trará postos de trabalho e irá promover as zonas do interior do país. Os terrenos estão distantes da ETAR e, como tal, nunca serão afectados. A sua subsistência também não seria, nestes termos, lesada. Conclui-se ainda que foi recebido o requerimento pela CAA- PIN para que pudesse ser obtida a dispensa de AIA.
A Multinacional alega que há medidas de preservação ambiental que visam restabelecer a situação existente da qualidade do ar e da água; alega ainda que não devia ter havido audiência, pois trata-se de um projecto PIN+ e, como tal é dispensada AIA. É exposto também que os receios do A. são infundados pois que se verificará um aumento do Turismo naquela zona.
É sublinhado que os documentos relativos a plantas e construção foram entregues à Câmara e publicados na Internet. As alegações finais vão no sentido de que o projecto arquitectónico da ETAR visa a integração com a paisagem local e baseia-se no desenvolvimento sustentável.

O Conselho de Ministros dispensou a AIA, tendo por base o Anexo II do DL 69/2000, uma vez que considerava que este projecto constituia um PIN +. De acordo com o DL 285/2007 este projecto representaria um projecto inovador. É ainda salientada a possibilidade de desenvolvimento rural bem como um crescente investimento por parte de estrangeiros.

A APA apresentou parecer no sentido de o plano não constituir um projecto PIN+. Não foi reconhecida legitimidade para a propositura da acção o A; para além desta questão foi ainda referido que o plano não constituía um projecto PIN aquando da apresentação do requerimento. Terminou a parecerística dizendo que houve um indeferimento liminar por decorrência do prazo.

Interveio por fim o MP no sentido de dar razão ao A. uma vez que a omissão de consulta pública invalida o acto administrativo, cominando para este a nulidade.

Autores e réus apresentaram alegações finais orais, nas quais, em sintese, mantiveram as posições iniciais acima expostas.

O Tribunal considera-se competente, nos termos dos artigos 11º e 24º. al. a) sub-alínea iii do ETAF.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são dotadas de legitimidade.
Não existem nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Consideram-se assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
O terrenno de construção da ETAR encontra-se numa área protegida, conforme o artigo 2º, alínea b, subalínea i do DL 69/2000. Verificou-se inexistência de audiência dos interessados no procedimento de licenciamento;
Efectivou-se a disponibilização dos documentos por parte da Câmara Municipal;
A proximidade dos terrenos da ETAR com a propriedade do Sr. Jorge Neptuno, afectando a subsistência deste; por fim verificou-se que a Câmara Municipal enviou o pedido de PIN + à CAA-PIN.

Por outro lado, considerou o presente Tribunal como matéria controvertida com relevância para o conhecimento do mérito da causa:

A questão da veracidade do requerimento apresentado à Câmara Municipal por parte do Sr. Jorge Neptuno bem como a compatibilidade da construção da ETAR em numa área de paisagem protegida e o consequente receio de risco para o solo e aquíferos.

Conforme o Anexo II do DL 69/2000, nº11 al.d estão sujeitos ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) as estações de tratamento de águas residuais (ETAR) destinadas a suportar acções em que estejam em causa localidades que tenham entre 50.000 e 100.000 habitantes, como é o caso dos autos. Não obstante o artigo 3º do mesmo diploma legal autorizar o Conselho de Ministros a dispensar este procedimento, mediante requerimento em casos especiais. Entretanto, conforme os números 7 e 11 daquele mesmo artigo, o decurso do prazo de 20 dias, contados a partir da data de recepção do parecer da autoridade de AIA implica em indeferimento tácito daquela pretensão.
No que diz respeito à classificação do projecto como PIN+, apresentado na altura do parecer, ainda que aquele atendesse aos requisitos para esta classificação, o que se verificou foi a ocorrência de ilegitimidade para requerer a classificação do projecto como PIN+, uma vez que segundo o artigo 5º do DL 285/2007, apenas é legítimo para tanto a Comissão e Avaliação de Acompanhamento dos projectos PIN. Não obstante mais irregularidades, a ilegitimidade, por si só já constitui uma causa de nulidade do acto administrativo.
Entretanto, como ficou comprovado através das provas documentais e testemunhais arroladas, não merece proceder o pedido dos autores no sentido de ordenar à Câmara Municipal que preste as devidas informações, uma vez que já foram facultados aos interessados.
Por outro lado, está devidamente comprovada a inexistência de audiência dos interessados no procedimento para licenciamento uma vez que a convocatória mencionada demonstra apenas o esclarecimento prestado aos interessados e não sua audiência. Desta forma, e seguindo de perto a doutrina do Dr. Vasco Pereira da Silva, na medida em que é violado o conteúdo essencial de um direito fundamental, a preterição desta formalidade implica a nulidade do acto administrativo, nos termos do artigo 133, nº 2, alínea d do CPA.
Quanto à constituição ou não de ameaça ao solo e aquíferos, não ficou comprovada. Logo, na ausência de AIA e, por consequência de decisão de impacto ambiental (DIA), como coloca o artigo 20º do DL 69/2000 e artigo 46º, nº 2, alínea a do CPTA gera a nulidade da licença.



Decisão:
Face a tudo o que ficou exposto acordam os juízes deste Tribunal:
Conceder provimento às seguintes acções e, em consequência declarar a nulidade do acto administrativo que dispensou a AIA, nos termos do artigo 20º do DL 69/2000, bem como a nulidade do Alvará concedido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, nos termos do artigo 46º/2 al. a do CPTA.
Condena-se ainda à anulação do despacho do Conselho de Ministros que dispensa o referido procedimento de AIA, tendo em conta que o projecto não se enquadra no programa PIN+.
É absolvida a Câmara Municipal na condenação à prática de acto devido, pela consulta dos documentos requeridos pelo Sr. Jorge Neptuno.

Custas pagas
Lisboa, 26 de Maio de 2010

Sandra Tenrinho
Débora Janczura
Ana Luísa Carvalho




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