terça-feira, 4 de maio de 2010

Exmos. Srs. Juízes Conselheiros doSupremo Tribunal AdministrativoSecção de Contencioso Administrativo



A Associação Amigos das Águas Escuras, pessoa colectiva de direito privado, com sede na Rua das Tulipas, nº 9, freguesia de Águas Escuras, Concelho de Vila Pouca de Alarico, registada sob o nº 497 365 276 no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, representada legalmente por Sandra Oliveira, com domicílio profissional no local da sede da respectiva associação.

Vem, ao abrigo da legitimidade que lhe é atribuída pelos artigos 55º/1 f) e c) e 9º/2 Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), intentar, através do artigo 46º/2 a), 51º e artigo 2º/2 alínea d) CPTA:

UMA ACÇAO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, de impugnação de acto administrativo, em concreto a anulação de acto administrativo indevido,
[O Alvará do presidente da câmara municipal de alarico para se dar inicio as obras de contrução de uma ETAR] e, em cumulação,

A declaração de nulidade de acto administrativo [a Resolução do Conselho de Ministros que dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental]

Contra, de acordo com o artigo 10º/2 CPTA:

- O PRESIDENTE da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, Manuel Oliveira, com Domicilio Profissional em Rua dos Trevos, nº34 1800-314 Vila Pouca de Alarico;

- JOÃO SEBASTIÃO RIBEIRO & FILHOS S.A., pessoa colectiva nº 503.658.354, com sede em Rua do Sol nº104, São Paulo, Brasil, representado por João Sebastião Ribeiro Júnior, com residência ocasional na Rua dos Cravos, nº32 2º Dto., 2346-192 Lisboa.

- CONSELHO DE MINISTROS, com sede na Rua de São Bento nº33, Palácio de São Bento, 1170-340 Lisboa.

Com fundamento nos seguintes factos:




A empresa João Sebastião Ribeiro, S.A., especializada na área de tratamento de resíduos, apresentou, na Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, um projecto de instalação de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais no lugar de Águas Escuras (cfr. Anexo I)


O projecto da ETAR destina-se a servir cerca de 65.000 habitantes.


Decorreram negociações informais entre os representantes da empresa João Ribeiro, S.A, e o Presidente da Câmara.


O projecto foi enviado ao Governo para que este o considerasse PIN + e o dispensasse de Avaliação de Impacte Ambiental.


O governo dispensou o projecto de Avaliação de Impacte Ambiental, através de Resolução de Conselho de Ministros, com fundamento no “profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior”.


O Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico é um apoiante do projecto por considerar que vai trazer emprego e investimento estrangeiro no valor de cerca de 100 milhões de Euros ao município.


O Presidente da Câmara emitiu o alvará que permite o início das obras de instalação da referida ETAR.


A Ribeira do Magano é uma paisagem protegida.


O local onde se pretende construir a ETAR localiza-se na Área da Paisagem Protegida da Ribeira do Magano

10º
A construção da ETAR vai destruir 9200 m2 da diversificada vegetação existente no local.

11º
Inicialmente orientada apenas para o centro urbano da vila, a curto prazo a
Multinacional brasileira João Sebastião e Filhos S.A pretende expandir a ETAR de modo a beneficiar mais 50.000 lares.

12º
A expansão vai atingir 16,200 m2 .

13º
Alguma população local dedica-se à actividade agrícola tradicional da apanha de castanha nos soutos.

14º
A construção da ETAR vai implicar o abate de 2 mil castanheiros.

15º
Esta paisagem protegida é atravessada por um rio com 14 km de comprimento (cfr. Anexo II)

16º
Ao longo do tempo, a água cavou um desnível de quase 200 metros, através do qual o rio Cabril se despenha numa cascata que é uma das maiores quedas de água de Portugal e da Europa (cfr. Anexo III)

17º
A construção da ETAR na localização prevista interfere no curso de água que dá origem à cascata, pelo que vai diminuir o fluxo da água e pode vir a causar o desaparecimento da queda de água.

18º
A cascata é uma grande atracção turística, que traz pessoas de todo o país e estrangeiros que vêm apreciar a beleza paisagística natural e banhar-se nas águas do rio (cfr. Anexo IV)

19º
Esta paisagem protegida foi criada com o objectivo de manter e valorizar as características das paisagens naturais e semi-naturais e a diversidade ecológica, nomeadamente sete espécies de flora que se passam a enumerar:
-Castanheiro (Castanea Sativa)
-Vidoeiro (Betula alba)
- Azevinho (Ilex aquifolium)
-Cravo-dos-alpes (Arnica Montana)
-Açucena-brava (Paradisea lusitanica)
-Carvalho (Quercus robur)
-Pilriteiro (Crataegus monogyna)

20º
Pretende-se proteger também cinco espécies faunísticas, em especial, que se enumeram de seguida:
-Águia-real (Aquila chrysaetos)
-Lobo (Canis Lupus)
-Gato-bravo (Félix Silvestris)
-Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus)
-Falcão-peregrino (Falco peregrinus)

21º
Todas as espécies acima mencionadas estão protegidas pelo Livro Vermelho dos Vertebrados (LVV) (cfr. Anexos V, VI, VII, VIII e IX).


22º
A Águia-Real é classificada no LVV como espécie em perigo de extinção.


23º
Tem-se verificado uma ligeira recuperação populacional desta espécie na Península Ibérica, nomeadamente em Portugal.

24º
A construção da ETAR nesta localização que constitui habitat natural da Águia-real pode levar ao abandono dos ninhos por estas aves, e assim contribuir para a sua extinção.

25º
O ICNB emitiu um parecer desfavorável à construção da ETAR neste local devido às consequências negativas para a espécie da Águia-Real em risco de extinção.

26º
Esta é uma área muito procurada para a prática de BTT (cfr. Anexo X) e passeios a cavalo.

27º
A zona atrai muitos turistas devido à existência de vestígios romanos, nomeadamente uma ponte do séc.II a.C, construída ao tempo do Cônsul Décio Juno Bruto, sobre o Rio Cabril (cfr. Anexo XI)

28º
A Ribeira do Magano é constituída por três unidades de paisagem: Montanha com área planáltica adjacente predominantemente granítica; zona dominantemente quartzítica de transição entre montanha e vale; vales encaixados de menor altitude com declives acentuados.

29º
O clima de feição subalpino que se faz sentir é responsável pela diversidade da cobertura vegetal.

30º
Nos cursos de água, bem como nas suas margens húmidas adjacentes, desenvolve-se uma vegetação ribeirinha ou ripícola com importante função ao nível de estabilização das margens, segurando os solos e evitando a erosão.

31º
A intervenção do Homem nesta área tem determinado a manutenção e o equilíbrio entre as diferentes formas de vida da fauna selvagem, atitude que tem contribuído para a diversidade biológica.

32º
O projecto da ETAR não prevê nenhum sistema de controlo e tratamento de odores. Não se decidiu instalar nem o sistema de adsorção nem o de lavagem química.

33º
De acordo com o engenheiro do ambiente Mário Manteigas, a falta e controlo de tratamento de odores provoca efeitos a nível psicológico no Homem (perda de apetite, náuseas, vómitos, dificuldades respiratórias e insónias), distúrbios sociais e diminuição do interesse económico da zona afectada.

34º
Esta área possui um leque de potencialidades e recursos com apetência turística diversificada e qualificada, nomeadamente devido à posição geográfica estratégica, à paisagem, à possibilidade de observação da natureza, aos percursos pedestres, ao património histórico-cultural e ao turismo rural.

35 º
A construção da ETAR na localização prevista vai prejudicar o turismo na zona devido ao impacto negativo na paisagem e aos maus odores que traz.

36º
A Área de paisagem protegida dispõe, desde 2000, de um plano de ordenamento (cfr. Anexo XII)

37º
Não foi pedida autorização à Paisagem Protegida para a construção civil de novos edifícios nem para a destruição do revestimento florestal.

II – Do Direito

38º
É competente para conhecer da matéria objecto dos autos a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em virtude do disposto no art. 24º, nº 1, al. a), iii) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), conjugado com o artigo 21º/1 do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA).

39º
De acordo com o art. 2º/1 da Lei 35/98 de 18 de Julho, a Associação “Amigos das Águas Escuras” é uma associação não governamental do Ambiente.

40º
Esta Associação tem legitimidade activa para intentar a presente acção com base no art. 9º/2 e 55º/1 f) CPTA e no art. 12º/1 da Lei 83/95.

41º
A acção é instaurada contra o Presidente da câmara municipal de Vila Pouca de Alarico, contra o Conselho de Ministros do Governo do Estado Português e contra João Sebastião Ribeiro & Filhos S.A nos termos do art. 10.º, n.º1 e 2 do CPTA.

42º
O Decreto Regulamentar 15/99 (cfr. Anexo XIII) criou a Paisagem Protegida de âmbito regional da Ribeira do Magano.

43º
O projecto de construção da ETAR está sujeito a avaliação de impacte ambiental de acordo com o artigo 1º/3 b) do Decreto-Lei n.º69/2000, conjugado com o ponto 11º d) do anexo II do referido diploma e com o artigo 2º b) i) que, em conjunto, sujeitam a Avaliação de Impacte Ambiental os projectos de Estações de Tratamento de Águas Residuais com capacidade superior a 50.000 habitantes, situadas em áreas sensíveis como no nosso caso.

44º
O art. 5º/2 alínea c) da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril) define “paisagem” como a unidade geográfica, ecológica e estética resultante da acção do homem e da reacção da Natureza, sendo primitiva quando a acção daquele é mínima e natural quando a acção humana é determinante, sem deixar de se verificar o equilíbrio biológico, a estabilidade física e a dinâmica ecológica.
45ºO art. 17º nº3 alínea a) considera a “paisagem” como um componente ambiental humano e o art. 18º/1 exige o condicionamento pela administração central, regional e local da implantação de construções, infra-estruturas viárias, novos aglomerados urbanos ou outras construções que, pela sua dimensão, volume, silhueta, cor ou localização, provoquem um impacte violento na paisagem preexistente, com o objectivo de defender a paisagem como unidade estética e visual.

46º
De acordo com o artigo 11º/2 d) do Decreto-Lei 142/2008, a paisagem protegida é um dos tipos de áreas protegidas.

47º
O objectivo da classificação como área protegida é, nos termos do artigo 12º do referido diploma, “conceder-lhe um estatuto legal de protecção adequado à manutenção da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas e do património geológico, bem como à valorização da paisagem”.

48ºEntende-se por paisagem protegida, de acordo com o artigo 19º do DL 142/2008, a “área com paisagens naturais, seminaturais ou humanizadas, de interesse regional ou local, resultantes da interacção harmoniosa do homem e da Natureza que evidencia grande valor estético ou natural”.

49º
A classificação como paisagem protegida em específico tem diversos objectivos enumerados no artigo 19º/2 do referido diploma, dos quais se realça a conservação dos elementos da biodiversidade e a promoção das manifestações sociais e culturais, pois ambos estes aspectos são postos em causa com a construção da ETAR no local.

50º
De acordo com o artigo 11º c) do Decreto Regulamentar 15/99, de 26 de Julho, que criou a Paisagem Protegida da Ribeira do Magano, são interditas a “colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas a medidas de protecção, em qualquer fase do seu estado biológico, com excepção das acções levadas a efeito pela Paisagem Protegida e das acções de âmbito científico devidamente autorizadas pelo mesmo”. O abate de castanheiros para a construção da ETAR está assim proibido por este artigo.

51º
Nos termos do artigo 12º, alíneas e) e g), do referido Decreto, estão sujeitas a autorização prévia da paisagem protegida “a realização de obras de construção civil, designadamente novos edifícios” e as “acções de destruição do revestimento florestal que não tenham fins agrícolas”. Assim sendo, não é possível construir a ETAR projectada sem a autorização da Paisagem Protegida, para a qual é competente a Comissão Directiva (art. 7º n.º2 d)).

52º
O Principio da Precaução procura afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não inteiramente determináveis, de modo a evitar possíveis e irreparáveis lesões ambientais.

53º
Este princípio pressupõe uma actuação por antecipação, impondo a adopção de meios adequados para afastar a verificação de situações potencialmente perigosas de origem natural ou humana, capazes de colocar em risco os componentes ambientais, ou pelo menos minorar as suas consequências.

54º
É um princípio constitucional de acordo com o 66º/2 a) da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) e está também previsto nos artigos 3º a) Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87) e 174º/2 Tratado da Comunidade Europeia.

55º
Em casos de falta de provas científicas evidentes, a dúvida deve estar sempre a favor do ambiente. É ao Estado ou aos potenciais agressores que cabe o ónus da prova da inocuidade da acção em relação ao ambiente.

56º
Segundo a doutrina dominante, quando existam dúvidas relativamente ao nexo causal entre uma actividade e os seus potenciais riscos para o ambiente, deve-se sempre decidir a favor do ambiente e contra os potenciais agressores.

57º
Gomes Canotilho faz referência a uma espécie de principio, o “in dubio pro ambiente”, que determina que, em caso de incerteza, os interesses económicos cedem perante os interesses ambientais.

58º
O direito ao ambiente é um direito fundamental consagrado no artigo 66º CRP

59º
O Estado tem como tarefa fundamental “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo” assim como “proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território” tal como estabelece o art. 9º d) e e) CRP.

60º
A defesa do Ambiente é um dever fundamental do Estado, consagrado no art 66º/1 in fine CRP.

61º
A Administração, de acordo com o previsto no art. 266º CRP, prossegue o interesse público “em respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei (266º/2)

62º
Tem-se entendido que esta submissão à lei, não é apenas à lei, mas ao Direito no seu conjunto, conforme o disposto no art 3º/1 Código do Procedimento Administrativo, abrangendo, também, os princípios constitucionais.

63º
Assim, estes princípios vinculam directamente a Administração, cujo desrespeito e desconsideração, geram por si a invalidade das decisões administrativas.

64º
O princípio da precaução é um princípio constitucional que decorre do direito fundamental ao ambiente, previsto no art 66º CRP e, por isso, goza também da aplicabilidade imediata e vinculação das entidades públicas e privadas decorrente do art. 18º CRP.

65º
A Administração está vinculada ao Principio da Prevenção.

66º
A violação do Principio da Prevenção por parte da Administração conduz à nulidade do acto, tal como está previsto no art 133º CPA. A nulidade pode ser invocada tanto por violação da cláusula geral do art 133º/1 CPA, devido à gravidade da violação de princípios fundamentais constitucionalmente consagrados e dotados de aplicabilidade directa geradora de uma nulidade por natureza, como pela alínea c) do nº2, pois o desrespeito pelos princípios constitucionais tornam a decisão de objecto legalmente impossível. Pode ainda invocar-se a alínea d) já que, de acordo com Vasco Pereira da Silva, a violação do princípio da precaução é equiparável à ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental ao Ambiente.


Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, por via dela pedindo-se:

A) A declaração de nulidade da Resolução Conselho de Ministros, demandado nesta acção
B) Consequentemente, que seja declarada nula a emissão do alvará pelo Presidente da Câmara;
C) Que os réus sejam condenados em custas.

Valor: € 50.000 (cinquenta mil euros)

Junta: - Uma (01) Procuração
- Comprovativo do pagamento da Taxa de Justiça;
- Cópia e duplicados legais

Prova (cfr. artigo 467º, nº 2 do C.P.C.):
Documental : Anexos I a XIII
Pedido de Parecer de ICNB

Testemunhal: Leopoldo Jardim, Elemento do Conselho Estratégico da Área Protegida, portador do Bilhete de Identidade nº125874562, emitido pelos SIC de Lisboa a 13/4/2007, residente na Rua das Hortas nº33 2ºEsq. 1500-430 Vila Pouca de Alarico.
Ana Silveira, Guia Turistica da Área da Paisagem Protegida da Ribeira do Magano, portadora do Bilhete de Identidade nº131557893, emitido pelos SIC de Lisboa a 20/10/2008, residente na Avenida dos Bosques nº55 1500-430 Vila Pouca de Alarico
Elaborado Por:
Ana Teresa Faria
Raquel Amaral
Susana Gonçalves
4ºAno Turma A Subturma5


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