sábado, 29 de maio de 2010

Sentença - Subturma 6

Supremo Tribunal Administrativo

Processo nº 001357/10

Acção Administrativa Especial de Impugnação de Acto Administrativo

Autor(es): Jorge Neptuno, Nereu Salgado, Presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, e Associação “Amigos de Águas Escuras”

Réu(s): Presidência do Conselho de Ministros, Joaquim Gregório, Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico e João Sebastião Ribeiro, S. A.

Secção de Contencioso Administrativo

Relatores: Miguel Labisa, Petra Camacho e Tiago Gonçalves

















SENTENÇA


Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

Nereu Salgado, natural da Freguesia de Águas Escuras, na qualidade de presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, representado por Joana Mendonça, e melhor identificados na petição inicial;

Jorge Neptuno, residente em Águas Escuras, representado por Ana Catarina Diogo e Inês Mendonça, e melhor identificado na petição inicial;

Associação “Amigos de Águas Escuras”, enquanto pessoa colectiva de direito privado, melhor identificada na petição inicial, representada por Ana Cristina Magalhães, Marisa Ribeiro dos Santos e Vanessa Abreu, e melhor identificados na petição inicial;

Vieram intentar contra a Presidência do Conselho de Ministros, em coligação passiva com Joaquim Gregório, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, e João Sebastião Ribeiro, S.A., a presente acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, pedindo que seja declarada a nulidade da Resolução do Conselho de Ministros que dispensou o projecto de construção da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Águas Escuras de ser submetido a avaliação de impacto ambiental (AIA) e cumulativamente a condenação da Administração à prática do acto devido, consistindo este na sujeição deste projecto a AIA e de que sejam disponibilizadas ao autor Jorge Neptuno as plantas do projecto de construção da ETAR.

O autor Nereu Salgado alegou que a multinacional brasileira João Sebastião Ribeiro & Filhos S.A., pretende instalar uma ETAR no lugar de Águas Escuras, cuja população da freguesia é composta por 65.000 habitantes, que esta requereu que o projecto fosse considerado de interesse nacional e que fosse dispensada a avaliação de impacto ambiental. Alegou ainda que o projecto foi na Câmara Municipal a qual anuiu a esta pretensão e emitiu um alvará para o início das obras para a instalação da ETAR e que com a anuência da Câmara pretende expandir a sua actividade de forma a abranger mais 50.000 habitantes. Acrescentou, também, que como complemento à ETAR encontra-se prevista a instalação de um aterro de resíduos sólidos urbanos (RSU) com uma capacidade de cerca de 25.000 toneladas e que o Governo aprovou a dispensa de avaliação de impacto ambiental com base no «profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior».

O autor Jorge Neptuno alegou ser proprietário de cinco terrenos contíguos à zona de Águas Escuras, nos quais leva a cabo um negócio de venda de produtos tradicionais dessa localidade, negócio esse que irá ficar afectado pela negativa devido às alterações à acessibilidade aos estabelecimentos. Disse, ainda, que habita num desses cinco terrenos, nomeadamente no terreno A, e que a sua actividade tem elevada preponderância para a economia local e que, como tal, a construção da ETAR irá afectar o comércio que desenvolve nesta área. Alegou, ainda, que o local onde será construída a ETAR possui um ambiente puro e sadio, a preservar, até porque nele se integram espécies em vias de extinção e que haverá lugar à produção de danos ambientais. Acrescentou, também, que não foi observada a consulta pública necessária ao esclarecimento da comunidade, que todas as tentativas para acesso aos projectos e respectivas plantas foram recusadas e que os sucessivos pedidos de informação que requereu não obtiveram qualquer resposta. Alegou, ainda, quanto à intervenção desenvolvida pela Câmara Municipal e pelo seu Presidente nos mesmos termos que foi alegado por Nereu Salgado.

Para além de alegar os mesmos motivos que foram apresentados por Nereu Salgado, a Associação “Amigos de Águas Escuras” alegou que o Presidente da Câmara Municipal defendeu de forma veemente o projecto de construção da ETAR pelo facto de esta vir a criar emprego e captar investimento estrangeiro no valor de 100 milhões de Euros, considerando ainda que esta ETAR contribuirá para um aumento da qualidade da protecção ambiental da região, referindo ainda ser positiva a construção dessa ETAR pois a sua alimentação energética será feita em parte por painéis solares e por uma pequena central de biomassa privada. Invocou, ainda, que o Plano de Pormenor de Águas Escuras já previa uma instalação daquele género nesse local, plano esse que já tinha sido sujeito a AIA. Complementou a alegação realizada por Nereu Salgado, referindo que dois dias após a publicação da Resolução do Conselho de Ministros foi emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico um alvará de licenciamento das obras de instalação da ETAR. Invocou, ainda, desconfiança quanto à dispensa de procedimento de AIA, que o terreno se encontra em área de paisagem protegida da Ribeira do Magano e que como resultado desta construção haverá lugar à libertação de maus cheiros. Alega ainda que a construção do aterro de resíduos sólidos urbanos necessita de a adopção de medidas apropriadas para evitar que estes sejam deixados ao abandono, despejados ou eliminados sem controlo.

O réu Joaquim Gregório contestou, dizendo em resumo que Jorge Neptuno não habita no terreno A, mas sim na periferia do concelho de Vila Pouca de Alarico, alegando ainda que a construção da ETAR não irá afectar o comércio tradicional desenvolvido por Jorge Neptuno, afirmando que apesar de haver danos a nível ambiental, sonoro e olfativo, estes irão ser minimizados pela tecnologia avançada que será implementada nos equipamentos da ETAR. Disse ainda terem sido apresentados pareceres ambientais que apontam a localização proposta para a ETAR como a mais adequada e menos nociva para o ambiente. Afirmou que Jorge Neptuno foi informado dos projectos de construção da ETAR, que à data do pedido de apresentação das plantas as mesmas não estavam disponíveis para consulta devido a atrasos pontuais, consequência da falta de funcionários e que o interessado não compareceu à audiência prévia no dia fixado para tal. Alega ainda que a construção da ETAR fomentará investimentos estrangeiros por serem criadas melhores condições a nível de tratamento de águas residuais e proporcionará um aumento da qualidade da protecção ambiental da região, na medida em que as águas residuais passarão a ter tratamento específico. Tal investimento criará melhores condições de vida não só para as gerações presentes como para as gerações futuras. O concelho beneficiará da ETAR também tendo em conta que serão atraídos novos habitantes. Advoga ainda a existência de estudos ambientais que comprovam a construção da ETAR, dentro da área de paisagem protegida da Ribeira do Magano, não trará consequências negativas para essa zona. A Associação “Amigos de Águas Escuras” teve oportunidade de se pronunciar em momento oportuno, não o tendo feito.

A ré João Sebastião Ribeiro, S.A., alega que apesar de Jorge Neptuno viver no terreno A, este não sofrerá qualquer perigo de dano devido ao funcionamento da ETAR. Afirma não existir nenhuma espécie classificada como em vias de extinção na região de Águas Escuras e que a construção da ETAR não prejudicará o acesso aos estabelecimentos, não prejudicando assim também o comércio de Jorge Neptuno. A ETAR em questão será construída de forma a impedir a produção de qualquer dano sonoro ou olfactivo.

Pronunciou-se o Ministério Público solicitando que fossem realizadas diligências instrutórias tendo em vista apurar se as regras relativas ao procedimento de classificação do projecto como PIN + foram salvaguardadas, de modo a conferir a necessária legalidade democrática às decisões tomadas, fazendo igual pedido a respeito da dispensa de AIA quer para a construção da ETAR como também para a construção do aterro de RSU, considerando, contudo, que os argumentos apontados para justificar a existência de circunstâncias excepcionais são vagos e que não se vislumbram situações concretas que se aproximem desse conceito indeterminado, todavia, entende que o profundo interesse nacional e a necessidade de Portugal aumentar a qualidade de tratamento das águas residuais nos municípios do interior são razões válidas para que se respeite a legalidade e o princípio da prevenção.

**

O Tribunal considera-se competente, nos termos do Artigo 11.º e do ponto iii) da alínea a) do n.º 1 do Artigo 24.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). As partes estão dotadas de personalidade e de capacidade judiciária e não existem nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, uma vez que a petição inicial de Jorge Neptuno não sofre de qualquer facto que impeça o seu conhecimento, de acordo com o n.º 1 e 2 do Artigo 14.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

**

O Tribunal considerou como assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:

  1. A empresa João Sebastião Ribeiro, S.A., especializada na área de tratamento de resíduos, apresentou, na Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, um projecto de instalação de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais no lugar de Águas Escuras.
  2. O projecto consiste na instalação de uma ETAR destinada a servir a população de Vila Pouca de Alarico, município com cerca de 65.000 habitantes.
  3. Inicialmente orientada apenas para o centro urbano da vila, a curto prazo a empresa pretende expandir a sua actividade de forma a abranger também os mais de 50.000 lares dos concelhos limítrofes.
  4. O Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico é um apoiante do projecto por considerar que vai trazer emprego e investimento estrangeiro no valor de cerca de 100 milhões de Euros ao município, para além de vir a contribuir para um aumento da qualidade da protecção ambiental da região.
  5. Mostrando-se ainda entusiasmado com o facto de a unidade vir a ser alimentada energeticamente, em parte, com recurso a painéis solares e a uma pequena central de biomassa privada, o que no entender do autarca reflecte uma realidade absolutamente exemplar.
  6. Decorreram negociações informais entre os representantes da empresa João Ribeiro, S.A, e o Presidente da Câmara.
  7. Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.
  8. Foi invocado o facto do Plano de Pormenor de Águas Escuras, que tinha sido sujeito a avaliação de impacto ambiental, já prever uma instalação do género naquele local.
  9. Passados quatro meses o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental.
  10. O “profundo interesse nacional em causa e a necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior” foram os fundamentos da dispensa.
  11. Dois dias após a publicação da resolução, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico emitiu um alvará para início das obras de instalação da ETAR.
  12. O Presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, Nereu Salgado, demonstrou desconfiança relativamente ao licenciamento.
  13. Achava que alguma coisa não lhe parecia bem neste licenciamento e entendia que não havia razão para dispensar o procedimento de avaliação de impacto ambiental.
  14. Também o facto de complementarmente à ETAR se encontrar prevista a expansão futura da instalação de modo a abranger também um aterro de resíduos urbanos com capacidade para cerca de 25.000 toneladas e esta estar também já licenciada leva-o a defender que poderia eventualmente faltar também a realização do licenciamento ambiental do projecto.
  15. A Associação Ambientalista Local “Amigos das Águas Escuras” está indignada com a localização da ETAR.
  16. Invoca que o terreno se encontra dentro da área da Paisagem Protegida da Ribeiro do Magano.
  17. E que, por isso, o princípio da precaução implica que a Administração não autorize a construção da ETAR.
  18. Jorge Neptuno é proprietário de alguns terrenos perto de Águas Escuras.
  19. O mesmo queixa-se de não ter tido oportunidade de se pronunciar sobre a construção da ETAR e de, hoje em dia, ninguém lhe facultar acesso às respectivas plantas.

O Tribunal considerou como não provada a seguinte matéria de facto:

  1. O facto de Jorge Neptuno habitar num dos seus estabelecimentos, nomeadamente no terreno A;
  2. A existência de espécies em vias de extinção na região de Águas Escuras;
  3. A ETAR em causa poder vir a afectar o comércio tradicional de Jorge Neptuno;
  4. O impacto negativo para a paisagem bem como a adopção de medidas apropriadas à minimização do prejuízo ambiental provocado pela instalação da ETAR;
  5. A observância de todos os requisitos legais no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros;

6. Terem sido realizados vários estudos prévios de impacto ambiental.

**

II – FUNDAMENTAÇÃO:

O projecto de construção da ETAR em causa está sujeito a AIA de acordo com o art. 1º/3, b) do Decreto-Lei 69/2000, em conjugação com o ponto 11º, d) do anexo II do mesmo diploma, bem como com o art. 2º, b), i), , os quais sujeitam a AIA os projectos de ETAR com capacidade superior a 50.000 habitantes, situadas em áreas sensíveis, como se revela no caso em apreço. A este respeito cabe também ter em conta o Decreto Regulamentar nº 9/2000, de 11 de Dezembro, o qual cria a referida área protegida.

No tocante às negociações entre a multinacional João Sebastião Ribeiro, S.A. e o Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, é nosso entendimento de que tais actos não respeitam o constante dos n.º 1 e no n.º 2 do Artigo 5.º e do Artigo 6.º do Decreto-Lei 285/2007, de 17 de Agosto, referente ao procedimento de qualificação do projecto como PIN+, pelo que a dispensa de AIA está viciada logo à partida.

Cumpre dizer que o procedimento de AIA pode ser alvo de dispensa, de acordo com o disposto no Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na versão que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro. Consideramos que essa dispensa deve estar devidamente fundamentada, quando alegada em motivos excepcionais, o que implica uma sujeição da Administração a um critério impeditivo de livre arbítrio.

Tendo em conta o teor da alínea b) do n.º 3 do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, que diz expressamente que as obras enunciadas no anexo II estão sujeitas a AIA e menos estritamente todo o Artigo 1.º, mais o teor do Artigo 3.º do mesmo diploma, é de constatar que em termos sistemáticos estes dois artigos entram em contradição, contradição essa que é largamente riticada pela doutrina por abrir uma margem de discricionariedade demasiado grande nas mãos dos governantes responsáveis pela decisão.

Consideramos que de acordo com a interpretação do diploma legal e da orientação que a doutrina tem vindo a produzir, apenas devem ser aprovadas as dispensas de AIA nos projectos que fundamentem um interesse manifesto e que perante a extrema relevância do bem ambiental e do potencial dano irreversível que possa vir a ocorrer, deve ser dada preferência ao ambiente.

Estando aqui em causa quer a aplicação do Decreto-Lei n.º 69/2000, quer a do Decreto-Lei n.º 285/2007, é sempre requisito de início do procedimento de dispensa de AIA, a apresentação de um requerimento a formular tal pedido, o qual se verifica não ter existido. Desse modo, não se torna possível considerar como devidamente iniciado o procedimento de dispensa de AIA, dado que o impulso inicial, dependendo de requerimento que não teve lugar, não se mostra realizado.

Também se pode constatar que, para existir esta dispensa de AIA, deve haver, na decisão que a consagra, uma fundamentação suficientemente densa. Ela existe, de facto, mas o que aí se alega é no sentido da promoção do interesse económico em detrimento do interesse ambiental, o que consubstancia uma clara violação do princípio da integração, porque contrário ao propósito da classificação de uma zona enquanto área protegida.

Acresce ainda que a realização da avaliação ambiental prevista no Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, não prejudica a aplicação do regime de avaliação de impacte ambiental de projectos públicos e privados, nos termos do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro, sem prejuízo do disposto no Artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 232/2007, conduzindo a que apesar de ter havido AIA para o plano de pormenor tal procedimento realizado não afasta agora a necessidade de AIA para o projecto de construção da ETAR.

Por outro lado, a expansão da construção, tendente ao alargamento da actividade a um aterro de RSU, constitui uma alteração da instalação, nos termos do Artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 173/2008, de 26 de Agosto. Desse modo, a alteração substancial da instalação obriga à formulação e apresentação do correspondente pedido de licença ambiental. Assim, a implementação no local de um aterro de RSU está ferida por não dispor de qualquer tipo de licenciamento ambiental dentro dos ditames da Lei.

Pelo exposto, considera-se, ainda, que houve lugar à violação dos princípios do desenvolvimento sustentável, da legalidade e da prossecução do interesse público, ambos dispostos no Artigo 3.º e 4.º do CPA, respectivamente, e do princípio da prevenção, que prevalece perante os interesses económicos.

**

III - DECISÃO:

Por tudo o que foi dito, considera-se a decisao do Conselho de Ministros nula nos termos do artigo 133º CPA. Por conseguinte, será, também, automaticamente nulo o alvará emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, devido aos efeitos “ex tunc” da declaração de nulidade da resolução que lhe é pressuposta.

Quanto à circunstância de ao AA Jorge Neptuno ter sido admitido o acesso à informação relativa ao procedimento tendente à instalação da ETAR, não se considera violado, contrariamente ao que alegaram os AA, o disposto no art. 268º/1, CRP, bem como do art. 61º/1, CPA.

Condena-se à pratica de procedimento de avaliação de impacte ambiental, nos termos definidos por lei.

As custas em dívida a juízo serão suportadas pelos réus.

Supremo Tribunal Administrativo, aos 28 de Maio de 2010.

Os Juizes Conselheiros,

Miguel Labisa

Petra Camacho

Tiago Gonçalves

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Sentença - Subturma 5

Data do acórdão:26/05/2010
Tribunal:1ª SECÇÃO DO CA

Relatores:
DUARTE AMARAL DA CRUZ
JOÃO JOSÉ LUPI

Descritores:
Licenciamento ambiental
Dispensa de AIA
Projectos de Potencial Interesse Nacional Classificados como de Importância Estratégica
Direito de acesso a informação
Impugnação de acto administrativo
Cumulação de pedidos

Processos apensos: 00987345 e 324870/10

Sumário:
I – A construção de uma ETAR está sujeita a licenciamento ambiental e procedimento de AIA segundo o D.L. 69/2000 de 3 de Maio anexo II ponto 11 al. D)
II – Requerimento de dispensa do procedimento de AIA e exigibilidade de fundamentação e de circunstâncias excepcionais para a dispensa.
III - Proibição de colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas a medidas de protecção, em qualquer fase do seu estado biológico, com excepção das acções levadas a efeito pela Paisagem Protegida e das acções de âmbito científico devidamente autorizadas pelo mesmo, no âmbito do Decreto-Regulamentar que cria a Paisagem Protegida da Ribeira do Magano.
IV - Consagração de um princípio geral de direito de acesso à informação ambiental por parte dos particulares.
V - Impugnação do acto de dispensa de AIA segue o procedimento da acção administrativa especial na modalidade de acto administrativo.
VI - Anulação de um alvará segue o procedimento da acção administrativa especial na modalidade de impugnação de acto administrativo.

RELATÓRIO:
I - AUTORES:
a) NEREU SALGADO, Presidente da Junta de Freguesia de Águas escuras, pessoa colectiva de direito público número 985437821.
b) ASSOCIAÇÃO AMIGOS DAS ÁGUAS ESCURAS, pessoa colectiva de direito privado portadora, com sede na Rua das Túlipas nº9, freguesia de Águas Escuras, Concelho de Vila Pouca de Alarico, registada sob o nº 497365276.
c) JORGE NEPTUNO, NIF nº 723670051, titular do Bilhete de Identidade n.º 13256907. Emitido em 07/05/1968 pelos serviços de identificação Civil de Vila Pouca de Alarico, casado, empresário, com residência na Rua Gentil Martins nº8, 7688 – 506 Vila Pouca de Alarico.
II - RÉUS:
a) CONSELHO DE MINISTROS.
b) JOÃO SEBASTIÃO & FILHOS, S.A., pessoa colectiva nº 503.658.354, com sede em Rua do Sol nº104, São Paulo, Brasil, representada por João Sebastião Ribeiro Júnior, com residência ocasional na Rua dos Cravos, nº32 2º Dto., 2346-192 Lisboa
c) CÂMARA MUNICIPAL DE VILA POUCA DE ALARICO, Representada pelo Sr. Presidente da Câmara, o Dr. Alberto Abrantes (Artigo 68.º; n.º 1; alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro), com domicílio profissional na Rua da Facilidade, n.º17; 1800-033 Vila Pouca de Alarico.

1 – A multinacional JSR & Filhos, SA pretende instalar uma Estação de Tratamento de águas Residuais (ETAR) no lugar de Águas Escuras destinada a servir a população de Vila Pouca de Alarico, município com cerca de 65.000 habitantes.
2 – A empresa pretende expandir a curto prazo a sua actividade de forma a abranger também os mais de 50.000 lares dos concelhos limítrofes.
3- A referida empresa vai criar 40 postos de trabalho directos e 85 indirectos.
4 – O Presidente da Câmara considera que o projecto vai trazer emprego e investimento estrangeiro.
5 – Houve negociações informais entre os representantes da empresa JSR & Filhos S.A e o Presidente da Câmara.
6 – Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.
7 – Uma das várias razões invocadas para a dispensa foi o facto de o Plano de Pormenor de Águas Escuras, que já tinha sido sujeito a avaliação de impacte ambiental, prever uma instalação do género naquele local.
8 – Passados quatro meses o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacte ambiental, com fundamento no “profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior”.
9 – Dois dias após a publicação da resolução, o presidente da câmara de Vila Pouca de Alarico emitiu um alvará de licenciamento para o início das obras de instalação da ETAR.
10 – Também já tinha sido licenciada a expansão futura da instalação de forma a abranger um aterro de resíduos urbanos com capacidade de cerca de 25.000 toneladas.
11 – O terreno para construção localiza-se na área protegida da Ribeira do Magano.
12- A área abrangida pela construção da ETAR é de 4200 m2, sendo a dimensão da zona de transição de 20800 m2.
13 – De modo que os AA vêm pedir a declaração de nulidade da resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 que visa a dispensa de AIA para a construção da ETAR na reserva natural de Ribeira do Magano, criada pelo D.R. 35/2008 de 26 de Fevereiro.
14 - Os AA pedem declaração de nulidade do alvará n.º 13/10 emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, que aprova o início das obras da instalação da ETAR na freguesia de Águas Escuras.
15- Sendo esta uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, tendo sido cumulados os pedidos referidos, nos termos dos arts. 4º, nº1, 47º, nº4, a), e 21º. nº1, todos do CPTA.
16 - O autor. JORGE NEPTUNO requer ainda como condenação à entrega das plantas e informações requeridas sobre o projecto da construção da ETAR ou, subsidiariamente, condenação da Câmara Municipal de VPA ao pagamento de indemnização por todos os prejuízos sofridos pela construção da ETAR, incluindo lucros cessantes pela não venda do terreno 3.

17 - Os AA alegam o seguinte:
a) Que o local de licenciamento para construção encontra-se na área protegida da Ribeira do Magano, criada pelo Decreto-Regulamentar nº 35/2008 de 26 de Fevereiro dada a manifesta excepcionalidade do interesse ecológico regional da área em questão.
b) Encontra-se, segundo o artigo 9º do referido DR, numa zona de protecção especial, sendo de aplicar o seu regime legal específico.
c) A implementação de projectos que envolvam a instalação de estações de tratamento de águas residuais de capacidade superior a 60.000 hab/eq fica sujeito ao critério da inevitabilidade;
d) A zona em questão é considerada um ponto de atracção turistica com dimensão relevante, o que vai ser extremamente prejudicado com a construção deste ETAR.
e) Apenas devem ser aprovados os projectos que fundamentem o interesse manifesto, que possa contrabalançar o peso ambiental de que se reveste a zona de protecção mencionada.
f) Perante a extrema relevância do bem ambiental e do potencial dano irreversível que possa vir a ocorrer, deve dar-se preferência ao ambiente: in dubio pró ambiente, segundo a doutrina dominante, entre os quais Gomes Canotilho, quando existam dúvidas relativamente ao nexo causal entre uma actividade e os seus potenciais riscos para o ambiente, deve-se sempre decidir a favor do ambiente contra os potenciais agressores, prevalecendo os intereesses ambientais perante os interesses económicos.
g) Existe na Ribeira do Magano uma várias espécies protegidas, nos termos do pontos 19 e 20 da petição inicial proposta pelos AA, associação amigos das águas escuras.
h) Existem conhecimentos científicos sólidos acerca da possibilidade da sua afectação ambiental pela ETAR;
i) Há violação do princípio da precaução pois deveria ter sido considerado o mau enquadramento da ETAR na paisagem.
j) O AA Nereu Salgado alega, ainda, que Águas Escuras é uma região fortemente predominada pela agricultura pelo que vai determinar inconvenientes à construção da ETAR, pois uma parte da população de águas Escuras vai ver a sua actividade reduzida por falta de campos para plantação.
k) Haverá, ainda, diminuição das exportações de frutos e legumes para Espanha, uma vez que a maior parte do volume de exportações é feita por produtos desta zona.l) Haverá impacto negativo na flora local.
m) Considera o AA que não se fez uma ponderação adequada dos possíveis danos causados pela construção da ETAR.
n) O Presidente deveria ter apresentado o estudo de impacte ambiental (EIA) juntamente com o requerimento de dispensa de AIA;
o) Não deveria ter sido dispensada a AIA, uma vez que não se está perante circunstâncias excepcionais que possam fundamentar a ausência desta avaliação.
p) O AA declara que a dispensa de procedimento de AIA deveria ter sido decidido pelo Ministro Responsável pela área do Ambiente e pelo Ministro da Tutela e não pelo Conselho de Ministros, verificando-se a nulidade da dispensa.
q) O AA Jorge Neptuno alega, por sua vez, que, sendo proprietário de três terrenos no lugar de Águas Escuras, onde se desenrola toda a sua vida pessoal e profissional, seria prejudicado com a construção da ETAR, nomeadamente pelo facto de provocar poluição visual e sonora.
r) Afirma que o alvará emitido pela CM de VPA não foi devidamente fundamentado. E que, além disso, não foi afixado edital no Município nem foi publicado qualquer anúncio em nenhum jornal de grande circulação.
s) O AA em questão procurou informar-se junto da Câmara e não obteve nenhuma resposta.
t) Requereu, ainda, o acesso às plantas do projecto que lhe foi recusado sem qualquer fundamentação.
u) Não houve lugar a audiência dos interessados.

16 – Os RR contestaram nos seguintes termos:
a) O RR Conselho de Ministros alega a ineptidão da PI.
b) Foi apresentado um projecto de minimização ambiental, pela autoridade da AIA.
c) A resolução foi tomada em conformidade havendo assinatura do Ministro responsável;
d) O RR Alberto Abrantes, enquanto representante da camâra municipal de Vila Pouca de Alarico, contesta a existência da quantidade de turistas referida pelos AA.
e) A construção da ETAR está preparada para evitar impactos negativos no ambiente.
f) Deve-se ter em conta toda a conjuntura cultural e social que envolve a construção da ETAR que indica a presença de um interesse público, inclusive pelo facto de que a zona em questão é fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de desemprego e pobreza, podendo este projecto ser considerado um motor de desenvolvimento da área.
g) O interesse público em causa deve-se às especificidades da região já que se trata duma zona fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de emprego e pobreza e que o projecto da ETAR será considerado um motor de desenvolvimento da área, das condições de vida dos residentes.
h) Já o RR JSR SA alega que a construção da ETAR mantém um nível relativamente baixo de intervenção, já que não afecta a movimentação da terra e terraplenagem, logo não se prevêem alterações significativas na morfologia do terreno em causa.
i) Apesar de se tratar duma zona agrícola, não se prevê um impacto negativo no ramo da apanha das castanhas; a construção do ETAR vai benefeciar os agricultores na medida em que as vias de acesso vão ser melhoradas.
j) É urgente a construção da ETAR no Município de VPA, uma vez que irá satisfazer as necessidades dos seus munícipes e também dos habitantes do Município vizinho de Vila Muita de Alarico.
l) Todo o procedimento de dispensa de AIA foi respeitado.
m) O RR Presidente da Câmara Municipal de VPA foi citado pelos AA para contestar e não se pronunciou.

Perante estes factos e depois de produzida toda a prova pelas partes, dão-se como provados os seguintes factos:

MATÉRIA DE FACTO:

1) Petição Inicial (Jorge Neptuno):
- arts. 1º a 8º; 12º, 13º, 19º, 20º.

2) Petição Inicial (Associação Amigos das Águas Escuras):
- arts. 1º a 9º; 11º; 13º a 16º; 19º a 26º; 28º, 29º, 33º, 34º, 36º.

3) Petição Inicial (Junta de Freguesia):
- arts. 1º, 3º, 5º, 6º, 10º.

4) Contestação (João Sebastião & Filhos):
- arts. 8º, 10º, 11º, 15º.

5) Contestação (Conselho de Ministros):
- nada foi dado como provado.

6) Contestação (Câmara Municipal):
- arts. 13º, 15º, 18º, 20º, 31º, 32º, 33º, 40º, 49º.


Cumpre agora fazer um enquadramento jurídico da matéria de facto provada:

MATÉRIA DE DIREITO:

1) O projecto de construção da ETAR em causa está sujeito a AIA de acordo com o art. 1º/3, b) do Decreto-Lei 69/2000, em conjugação com o ponto 11º, d) do anexo II do mesmo diploma, bem como com o art. 2º, b), i), , os quais sujeitam a AIA os projectos de ETAR com capacidade superior a 50.000 habitantes, situadas em áreas sensíveis, como se revela no caso em apreço. A este respeito cabe também ter em conta o Decreto Regulamentar nº 15/99, o qual cria a referida área protegida.

2) O objectivo da classificação como área protegida é, nos termos do art. 12º do Decreto-Lei 142/2008, “conceder-lhe um estatuto legal de protecção adequado à manutenção da biodiversidade e dos serviços dos ecossitemas e do património geológico, bem como a valorização da paisagem”.

3) O procedimento de AIA pode ser alvo de dispensa, nos termos gerais mencionados no art. 3º, Decreto-Lei 69/2000.

4) Essa dispensa, para efeitos deste diploma, deve fundar-se em motivos excepcionais, o que reduz de certa maneira a margem de manobra desta decisão.

5) Qualquer projecto, de modo a ser considerado como PIN+, tem de o ser nos termos do art. 2º, Decreto-Lei 285/2007. Da conjugação do nº 1 deste preceito, numa leitura conjunta e conforme com a remissão aí feita, para o art.6º/1, conclui-se haver uma larga margem de discricionaridade para os Ministros competentes.

6) Em qualquer dos casos, ou seja, estando em causa tanto a aplicação do Decreto-Lei 69/2000, como do Decreto-Lei 285/2007, é necessário um requerimento para iniciar o procedimento de dispensa de AIA, o qual não existiu no caso em apreço.

7) Assim sendo, não se pode considerar devidamente iniciado este procedimento, pelo que se entende que ele enferma de invalidade.

8) Mas também se pode constatar que, para existir esta dispensa de AIA, deve haver, na decisão que a consagra, uma fundamentação suficientemente densa. Ela existe, de facto, mas o que aí se alega é no sentido da promoção do interesse económico em detrimento do interesse ambiental, o que consubstancia uma clara violação do princípio da integração, porque contrário ao propósito da classificação de uma zona enquanto área protegida.

9) Consideram-se igualmente violados os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, pelo que, por tudo o que foi dito, se considera a decisão do Conselho de Ministros como nula, nos termos do art. 133º, CPA.

10) Em relação às negociações entre JOÃO SEBASTIÃO & FILHOS, S.A e o Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, estas não estão conformes à lei aplicável, uma vez não respeitam o constante dos arts. 5º/1 e 2 e 6º, ambos do Decreto-Lei 285/2007, referente ao procedimento de qualificação do projecto como PIN+, pelo que este procedimento de dispensa de AIA estaria inquinado deste o início.

11) Consequentemente, sendo esta dispensa contrária à lei, ter-se-á que considerar anulável também o acto de licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, pois este somente poderia ter lugar nos termos em que ocorreu caso tivesse existido um procedimento de dispensa de AIA válido, o que não se verificou no caso concreto.

12) Quanto à circunstância de ao AA Jorge Neptuno não ter sido admitido o acesso à informação relativa ao procedimento tendente à instalação da ETAR, considera-se violado o disposto no art. 268º/1, CRP, bem como do art. 61º/1, CPA, e, mais especificamente, dos arts. 4º, 5º e 6º, LAIA.


DECISÃO:
Por todo o exposto, pelas apontadas razões de facto e de direito, este tribunal julga a presente acção procedente, acordando o seguinte:
Considera-se procedente o pedido de anulação pelos AA, do acto de dispensa de AIA, e, em consequência, do acto de licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, sendo tidos como nulos ambos os actos.

As custas em dívida a juízo serão suportadas pelos réus.
Registe e Notifique.
Lisboa,27 de Maio de 2010
João José Lupi
Duarte Amaral da Cruz

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Indicação de Provas


Nos termos dos artigos 90º/2 e 91º/2 do CPTA e 512º/1 do CPC, a Associação "Amigos de Águas Escuras vem indicar a seguinte prova:


MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO
DO TERRITÓRIO

Decreto Regulamentar n.o 9/2000
de 11 de Dezembro

A Ribeira do Magano possui um variado conjunto
de valores de ordem paisagística
e biológica, sendo possível destacar a existência
de um interessante mosaico de habitats, desde zonas
húmidas, bosquetes florestais de vegetação natural,
desenvolvendo-se ao longo de
um sistema lacustre permanente, irrigado por canais
naturais, exibindo apreciável diversidade e originalidade paisagísticas.
Em termos de flora e vegetação, a zona apresenta
um interesse elevado, que se traduz no registo
de perto de 80 espécies vegetais consideradas raras ou
em vias de extinção local.
Também merecem referência algumas espécies de
aves que constam do anexo A-I do Decreto-Lei
n.o 140/99, de 24 de Abril, bem como espécies pertencentes
a outras classes de vertebrados, igualmente incluídas
no anexo B-IV do mesmo decreto-lei.
É relevante ter presente o papel das autarquias como actores
privilegiados na prossecução do desenvolvimento sustentável
e em particular neste caso, o empenho demonstrado
pela Junta de Freguesia de Águas Escuras na conservação
e preservação desta área.
Verificam-se os pressupostos constantes do artigo 27.o
do Decreto-Lei n.o 19/93, de 23 de Janeiro, tendo sido
realizado inquérito público e ouvida a Câmara Municipal
de Vila Pouca de Alarico.
Assim:
Nos termos da alínea c) do artigo 199.o da Constituição,
o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.o
Criação
É criada a Paisagem Protegida da Ribeira do Magano,
adiante designada por Paisagem Protegida, como área protegida
de âmbito regional.

Artigo 2.o
Limites
1 — Os limites da Paisagem Protegida são fixados no
texto e na carta que constituem os anexos I e II ao
presente diploma, do qual fazem parte integrante.

Artigo 3.o
Objectivos específicos
Sem prejuízo do disposto no artigo 3.o do Decreto-Lei
n.o 19/93, de 23 de Janeiro, constitui objectivo específico
da Paisagem Protegida:
a) A conservação da natureza e a valorização do
património natural da área da Ribeira do Magano
como pressuposto de um desenvolvimento sustentável;
b) A promoção do repouso e do recreio ao ar livre
em equilíbrio com os valores naturais salvaguardados.

Artigo 4.o
Gestão
A Paisagem Protegida é gerida pela Câmara Municipal
De Vila Pouca de Alarico, adiante designada por Câmara
Municipal, sem prejuízo de poderem ser celebrados protocolos
de cooperação com outras entidades públicas
ou privadas, nomeadamente para a dinamização da Paisagem
Protegida.

Artigo 5.o
Órgãos
A Paisagem Protegida dispõe dos seguintes órgãos:
a) A comissão directiva;
b) O conselho consultivo.

Artigo 6.o
Comissão directiva
1 — A comissão directiva é o órgão executivo da Paisagem
Protegida e é composta por um presidente e dois vogais.
2 — O presidente da comissão directiva é indicado
pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, podendo,
para o efeito, ser escolhido de entre os membros dos
órgãos do município.
3 — Caso o presidente da comissão directiva não seja
um membro dos órgãos do município, será o mesmo
equiparado a director de serviços para efeitos de
remuneração.
4 — Um dos vogais é designado pela Câmara Municipal,
o qual substitui o presidente da comissão directiva
nas suas faltas e impedimentos, sendo o outro vogal
designado pelo Instituto da Conservação da Natureza,
adiante denominado por ICN, o qual constitui o coordenador
técnico e científico.
5 — A comissão directiva é nomeada por despacho
do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território,
sob proposta da Câmara Municipal e do ICN.
6 — O mandato dos titulares da comissão directiva
e de três anos.
7 — Nas deliberações da comissão directiva, o presidente
exerce o voto de qualidade.
8 — A comissão directiva reúne ordinariamente uma
vez por mês e extraordinariamente sempre que convocada
pelo seu presidente, por sua iniciativa ou por
solicitação de um dos vogais.

Artigo 7.o
Competências da comissão directiva
1 — Compete à comissão directiva, em geral, a administração
dos interesses específicos da Paisagem Protegida,
executando as medidas contidas nos instrumentos
de gestão e assegurando o cumprimento das normas
legais e regulamentares em vigor.
2 — Compete, em especial, à comissão directiva:
a) Preparar e executar planos e programas plurianuais
de gestão de investimento, submetendo-
os previamente à apreciação do conselho
consultivo;
b) Elaborar os relatórios anuais e plurianuais de
actividades, bem como o relatório anual de contas
de gerência, submetendo-os previamente à
apreciação do conselho consultivo;
c) Decidir da elaboração periódica de relatórios
científicos e culturais sobre o estado da Paisagem
Protegida;
d) Autorizar actos ou actividades condicionadas na
Paisagem Protegida, em conformidade com o
disposto no presente diploma e no plano de
ordenamento;
e) Executar as medidas administrativas de reposição
previstas no Decreto-Lei n.o 19/93, de 23
de Janeiro;
f) Ordenar o embargo e a demolição de obras,
bem como fazer cessar outras acções realizadas
em violação do disposto no presente diploma
e legislação complementar.

Artigo 8.o
Competência do presidente da comissão directiva
Compete ao presidente da comissão directiva:
a) Representar a Paisagem Protegida;
b) Dirigir os serviços e o pessoal com os quais a
Paisagem Protegida seja dotada;
c) Submeter anualmente à Câmara Municipal e
ao ICN um relatório sobre o estado da Paisagem
Protegida;
d) Fiscalizar a conformidade do exercício de actividades
na Paisagem Protegida com as normas
constantes do Decreto-Lei n.o 19/93, de 23 de
Janeiro, do presente diploma e do plano de
ordenamento;
e) Cobrar receitas e autorizar as despesas para que
seja competente.

Artigo 9.o
Conselho consultivo
1 — O conselho consultivo é composto pelo presidente
da comissão directiva e por um representante de
cada uma das seguintes entidades:
a) Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico;
b) Assembleia Municipal de Vila Pouca de Alarico;
c) Junta de Freguesia de Águas Escuras;
d) Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento
do Território — Norte;
e) Estabelecimentos de ensino superior com intervenção
na área da Paisagem Protegida, considerados
em conjunto e em sistema rotativo, com
o mandato de um ano;
f) Instituições representativas dos interesses sócio-
-económicos, consideradas em conjunto e em
sistema rotativo, com o mandato de um ano;
g) Organizações não governamentais de ambiente
com intervenção na área da Paisagem Protegida,
consideradas em conjunto e em sistema rotativo,
com o mandato de um ano.
2 — O conselho consultivo reúne ordinariamente
duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que
convocado pelo respectivo presidente, por sua iniciativa
ou a solicitação de, pelo menos, um terço dos seus
membros.

Artigo 10.o
Competências do conselho consultivo
Compete ao conselho consultivo, em geral, a apreciação
das actividades desenvolvidas na Paisagem Protegida
e, em especial:
a) Eleger o respectivo presidente e aprovar o regimento
interno de funcionamento;
b) Apreciar as propostas de planos e os programas
anuais e plurianuais de gestão e investimento;
c) Apreciar os relatórios anuais e plurianuais de
actividades, bem como o relatório anual de contas
de gerência;
d) Apreciar os relatórios científicos e culturais
sobre o estado da Paisagem Protegida;
e) Dar parecer sobre qualquer assunto com interesse
para a Paisagem Protegida.

Artigo 11.o
Interdições
Dentro dos limites da Paisagem Protegida são interditos
os seguintes actos e actividades:
a) A alteração à morfologia do solo para instalação
ou ampliação de depósitos de ferro-velho, de
sucata, de veículos e de inertes que causem
impacte visual negativo ou poluam o solo, o ar
ou a água, bem como o vazamento de lixos,
detritos, entulhos ou sucatas fora dos locais para
tal destinados;
b) O lançamento de águas residuais sem tratamento
adequado;
c) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares
de quaisquer espécies vegetas ou animais
sujeitas a medidas de protecção, em qualquer
fase do seu estado biológico, com excepção das
acções levadas a efeito pela Paisagem Protegida
e das acções de âmbito científico devidamente
autorizadas pela mesma;
d) A introdução no estado selvagem de espécies
botânicas ou zoológicas exóticas ou estranhas
ao ambiente;
e) A prática de campismo ou caravanismo fora dos
locais destinados a esse fim;
f) A prática de actividades desportivas e de lazer
fora dos locais destinados a esse fim, especialmente
as que impliquem veículos motorizados.

Artigo 12.o
Actos e actividades sujeitos a autorização
Sem prejuízo dos restantes condicionalismos legais,
ficam sujeitos a autorização prévia da Paisagem Protegida
os seguintes actos e actividades:
a) Sobrevoo por aeronaves com motor abaixo de
1000 pés, salvo para acções de vigilância, combate
a incêndios, operações de salvamento e trabalhos
científicos autorizados pela Paisagem
Protegida;
b) Abertura de novas estradas municipais, caminhos
ou acessos, bem como alargamento ou
modificação dos existentes;
c) Instalação de painéis e outros suportes publicitários;
d) Realização de obras de construção civil, designadamente
novos edifícios e reconstrução,
ampliação, alteração ou demolição de edificações,
com excepção das obras de simples conservação,
restauro ou limpeza;
e) Realização de fogos controlados efectuados ao
abrigo da alínea d) do artigo 10.o do Decreto
Regulamentar n.o 55/81, de 18 de Dezembro,
e realização de queimadas ao abrigo do Decreto-
Lei n.o 316/95, de 28 de Novembro;
f) Acções de destruição do revestimento florestal
que não tenham fins agrícolas.

Artigo 13.o
Actos ou actividades sujeitos a parecer
Ficam sujeitos a parecer da Paisagem Protegida os
seguintes actos ou actividades:
a) Abertura de novas estradas, com excepção das
situações previstas na alínea b) do artigo anterior;
b) Instalação de infra-estruturas eléctricas e telefónicas
aéreas e subterrâneas, de telecomunicações,
de gás natural, de saneamento básico
e de aproveitamento de energias renováveis;
c) Instalação de novas actividades industriais,
nomeadamente extracção de inertes;
d) Instalação de novas actividades agrícolas, florestais
e pecuárias, com carácter intensivo, bem
como exploração ou gestão de actividades
cinegéticas.

Artigo 14.o
Contra-ordenações
1 — Constitui contra-ordenação a prática dos actos
e actividades previstos nos artigos 11.o, 12.o e 13.o
quando interditos, não autorizados ou sem os pareceres
devidos nos termos do número anterior.
2 — As contra-ordenações previstas no número anterior
são punidas com coimas de:
a) De 5000$ a 500 000$, no caso de pessoas
singulares;
b) De 200 000$ a 6 000 000$, no caso de pessoas
colectivas.
3 — A tentativa e a negligência são puníveis.

Artigo 15.o
Sanções acessórias
As contra-ordenações previstas no artigo anterior
podem ainda determinar a aplicação das sanções acessórias
previstas no artigo 23.o do Decreto-Lei n.o 19/93,
de 23 de Janeiro.

Artigo 16.o
Processos de contra-ordenação e aplicação de coimas
e sanções acessórias
1 — O processamento das contra-ordenações e a aplicação
das coimas e sanções acessórias competem à
Câmara Municipal.
2 — A afectação do produto das coimas faz-se da
seguinte forma:
a) 60% para o Estado;
b) 40% para a Paisagem Protegida.

Artigo 17.o
Reposição da situação anterior
A comissão directiva da Paisagem Protegida pode
ordenar que se proceda à reposição da situação anterior
à infracção, nos termos do disposto no artigo 25.o do
Decreto-Lei n.o 19/93, de 23 de Janeiro.

Artigo 18.o
Fiscalização
As funções de fiscalização para os efeitos do disposto
no presente diploma e legislação complementar aplicável
competem a Câmara Municipal, ao ICN, à direcção
regional do ambiente e do ordenamento do território
competente, às autoridades policiais e demais entidades
competentes, nos termos legais da legislação em vigor.
Artigo 20.o
Autorizações e pareceres
1 — Salvo disposição em contrário, os pareceres emitidos
pela comissão directiva da Paisagem Protegida são
vinculativos e não dispensam outros pareceres, autorizações
ou licenças que legalmente forem devidos.
2 — Na falta de disposição especial aplicável, o prazo
para a emissão dos pareceres e autorizações pela comissão
directiva da Paisagem Protegida é de 45 dias.
3 — Na falta de emissão das autorizações ou pareceres
dentro do prazo fixado no número anterior, considera-
se, consoante os casos, a autorização concedida
ou o parecer que é favorável.
4 — Os pareceres e autorizações emitidos pela comissão
directiva da Paisagem Protegida ao abrigo do presente
diploma caducam decorridos dois anos sobre a
data da sua emissão, salvo se nesse prazo as entidades
competentes tiverem procedido ao respectivo licenciamento.
5 — São nulas e de nenhum efeito as licenças municipais
ou outras concedidas com violação do regime instituído
neste diploma.

Artigo 22.o
Receitas
1 — Constituem receitas da Paisagem Protegida:
a) As dotações que lhe sejam atribuídas no Orçamento
do Estado e no orçamento do município
de Vila Pouca de Alarico;
b) As comparticipações, subsídios e outros donativos
concedidos por quaisquer entidades de
direito público ou privado;
c) Quaisquer outras receitas que por lei, contrato
ou a qualquer outro título lhe sejam atribuídas;
d) O produto das coimas.
2 — As receitas enumeradas no número anterior são
afectas ao pagamento de despesas da Paisagem Protegida.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4
de Outubro de 2000. —António Manuel de Oliveira
Guterres — Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
— Mário Cristina de Sousa — António Luís Santos
Costa — Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
— Luís Manuel Capoulas Santos — Augusto Ernesto
Santos Silva — José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Promulgado em 21 de Novembro de 2000.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 23 de Novembro de 2000.
Pelo Primeiro-Ministro, Jorge Paulo Sacadura Almeida
Coelho, Ministro de Estado.

ANEXO I
Inicia-se no cruzamento do lugar de Aldeia, freguesia
de Águas Escuras, e segue a estrada nacional n.o 444, no
sentidoVila Pouca de Alarico – Vila Muito de Alarico, até ao ponto
de coordenadas 157 471,79 (X) e 531 596,94 (Y). Daqui
segue em linha recta até ao ponto de coordenadas
157 461,81 (X) e 531 621,29 (Y), continua em linha
recta até interceptar o caminho municipal n.o 525-1, no
ponto de coordenadas 157 397,57 (X) e 531 650,13 (Y).
Daqui toma uma direcção paralela a este caminho municipal,
passando pelo ponto de coordenadas 157 419,74 (X)
e 531 857,60 (Y), terminando no ponto de coordenadas
157 425,71 (X) e 532 036,24 (Y). Toma uma direcção paralela
ao lugar de Águas Claras, Freguesia de Águas Muito Claras
, até ao ponto de coordenadas 157 390,88 (X) e
532 219,49 (Y), deslocando-se posteriormente a noroeste,
até ao ponto 157 315,41 (X) e 532 296,94 (Y). Prolonga-se
a oeste até interceptar o caminho da Águas Verdes, acompanhando
este último até ao ponto de coordenadas 157 308,58 (X)
e 532 849,40 (Y). Daqui segue até interceptar o caminho
da costa, passando pelo ponto de coordenadas
157 296,94 (X) e 533 011,02 (Y). Continua pelo caminho
da costa, prolongando-se até ao lugar de Vila Velha, freguesia
de Águas Azuis, até ao ponto 157 632,12 (X) e
533 835,90 (Y). A partir deste ponto contorna as instalações
da fábrica Whiskas&Saquetas, Lda, até ao
ponto 157 675,16 (X) e 533 814,57 (Y), tomando a direcção
sueste até interceptar a estrada municipal n.o 1232,
seguindo posteriormente na direcção norte até ao cruzamento
junto à Cooperativa Agrícola do Vale Novo.
Daqui segue no sentido leste até ao ponto de coordenadas
157 988,75 (X) e 534 323,85 (Y). Continua para
norte, paralelamente à estrada municipal n.o 1232, até
ao ponto de coordenadas 157 878,08 (X) e 534 990,11 (Y).
A partir daqui inflecte no sentido sueste, seguindo o caminho
que termina no cruzamento das Sete Mãos. Daqui
segue em linha recta até ao ponto de coordenadas
158 319,56 (X) e 534 319,02 (Y), prolongando-se para
sul, pelo caminho da veiga, até ao cruzamento com o
caminho que vem do lugar de Vila Antiga, freguesia de Águas de Cristal
[coordenadas 158 792,37 (X) e 534 034,16 (Y)]. A partir
deste cruzamento prolonga-se em linha recta para sueste,
interceptando o caminho de Palhagueiras, lugar de Sobreiro Curvo,
freguesia de Águas de Cristal, acompanhando-o até ao ponto de coordenadas
159 017,23 (X) e 533 366,07 (Y), continua em
linha recta, para sueste, até ao ponto de coordenadas
159 102,74 (X) e 533 168,09 (Y). Daqui acompanha
para oeste o talude da costa, seguindo paralelamente ao
cemitério de Águas Escuras, até encontrar o caminho municipal
n.o 1232 [coordenadas 158 965,41 (X) e
533 045,36 (Y)], seguindo o sentido oeste, por este caminho,
até ao cruzamento com o caminho de Cascavel. Continuando
para sudoeste no mesmo caminho [coordenadas
158 833,95 (X) e 532 954,49 (Y)]. Deste ponto segue na
direcção sul, paralelamente ao campo de futebol de Águas Escuras
(terreno das Ninhadas), até encontrar o caminho
que segue para oeste até ao cruzamento no sítio de Vila das Sardinhas,
prolongando-se no sentido sul, pelo caminho
dos Salpicões, fechando o limite (cruzamento no lugar
de Aldeia, freguesia de Águas Escuras).

Anexo II
( A imagem encontra-se no início do presente diploma)
Sentença

Processo: 58962588LX
Supremo Tribunal Administrativo
Data: 26/05/2010

Nos termos do nº2 al.c) do art.4º do CPTA a acção procederá em forma de cumulação de pedidos.
Foram recebidos nos presentes autos as seguintes petições iniciais:

A) Presidente da Junta de Freguesia de Vila Pouca de Alarico (Nereu Salgado) intentou acção contra o Presidente da Câmara Municipal, Jorge Abreu, contra o Conselho de Ministros, pedindo a declaração do acto bem como a nulidade do Alvará;
B) Jorge Neptuno propôs acção contra o Conselho de Ministros e contra a Câmara Municipal, exigindo a anulação da licença da Câmara Municipal, bem como o despacho do Conselho de Ministros que dispensa o Procedimento de avaliação do impacto ambiental (doravante AIA), exigindo ainda a condenação da Câmara Municipal à prestação das informações requeridas.
C) Associação “Amigos das Águas Escuras” intentou acção contra o Conselho de Ministros e contra o Presidente da Câmara, pedindo a anulação do acto administrativo de dispensa do procedimento, a anulação do Alvará e também a condenação dos réus ao pagamento das custas judiciais.

Alega a Associação que o projecto não se integra no PIN + e por conseguinte não deveria ter havido dispensa de AIA; na medida em que se tratava de uma área protegida o projecto de ETAR não deveria ser construída naquela área; não houve audiência dos interessados, procedimento obrigatório de acordo com o art.100º do Código de Processo Administrativo.
Alega Nereu Salgado que não foi feito um estudo do impacto ambiental (EIA), que os réus não tinham competência para apresentar ao Governo o Projecto para que este submetesse a PIN+.
Jorge Neptuno alega ser proprietário de vários terrenos sitos em Águas Escuras, relativamente ao projecto de construção alega que houve falta de informação por parte da Câmara Municipal assim como o seu desconhecimento da sessão de esclarecimento; para além disso apresentou requerimento junto da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico em que requeria a consulta do processo, nomeadamente das plantas, ao qual alega não ter obtido resposta até à presente data; alega ainda estar em causa o Princípio da Prevenção (art.66º da Constituição da República Portuguesa).

Em resposta vieram os réus requerer a improcedência da acção, contestando as alegações iniciais nos seguintes termos:
Jorge Abreu declara que a audiência dos interessados se materializou numa sessão de esclarecimento, onde estiveram presentes os interessados, à qual não compareceu Jorge Neptuno, mesmo tendo sido notificado; reconheceu-se que a construção da ETAR trará postos de trabalho e irá promover as zonas do interior do país. Os terrenos estão distantes da ETAR e, como tal, nunca serão afectados. A sua subsistência também não seria, nestes termos, lesada. Conclui-se ainda que foi recebido o requerimento pela CAA- PIN para que pudesse ser obtida a dispensa de AIA.
A Multinacional alega que há medidas de preservação ambiental que visam restabelecer a situação existente da qualidade do ar e da água; alega ainda que não devia ter havido audiência, pois trata-se de um projecto PIN+ e, como tal é dispensada AIA. É exposto também que os receios do A. são infundados pois que se verificará um aumento do Turismo naquela zona.
É sublinhado que os documentos relativos a plantas e construção foram entregues à Câmara e publicados na Internet. As alegações finais vão no sentido de que o projecto arquitectónico da ETAR visa a integração com a paisagem local e baseia-se no desenvolvimento sustentável.

O Conselho de Ministros dispensou a AIA, tendo por base o Anexo II do DL 69/2000, uma vez que considerava que este projecto constituia um PIN +. De acordo com o DL 285/2007 este projecto representaria um projecto inovador. É ainda salientada a possibilidade de desenvolvimento rural bem como um crescente investimento por parte de estrangeiros.

A APA apresentou parecer no sentido de o plano não constituir um projecto PIN+. Não foi reconhecida legitimidade para a propositura da acção o A; para além desta questão foi ainda referido que o plano não constituía um projecto PIN aquando da apresentação do requerimento. Terminou a parecerística dizendo que houve um indeferimento liminar por decorrência do prazo.

Interveio por fim o MP no sentido de dar razão ao A. uma vez que a omissão de consulta pública invalida o acto administrativo, cominando para este a nulidade.

Autores e réus apresentaram alegações finais orais, nas quais, em sintese, mantiveram as posições iniciais acima expostas.

O Tribunal considera-se competente, nos termos dos artigos 11º e 24º. al. a) sub-alínea iii do ETAF.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são dotadas de legitimidade.
Não existem nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Consideram-se assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
O terrenno de construção da ETAR encontra-se numa área protegida, conforme o artigo 2º, alínea b, subalínea i do DL 69/2000. Verificou-se inexistência de audiência dos interessados no procedimento de licenciamento;
Efectivou-se a disponibilização dos documentos por parte da Câmara Municipal;
A proximidade dos terrenos da ETAR com a propriedade do Sr. Jorge Neptuno, afectando a subsistência deste; por fim verificou-se que a Câmara Municipal enviou o pedido de PIN + à CAA-PIN.

Por outro lado, considerou o presente Tribunal como matéria controvertida com relevância para o conhecimento do mérito da causa:

A questão da veracidade do requerimento apresentado à Câmara Municipal por parte do Sr. Jorge Neptuno bem como a compatibilidade da construção da ETAR em numa área de paisagem protegida e o consequente receio de risco para o solo e aquíferos.

Conforme o Anexo II do DL 69/2000, nº11 al.d estão sujeitos ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) as estações de tratamento de águas residuais (ETAR) destinadas a suportar acções em que estejam em causa localidades que tenham entre 50.000 e 100.000 habitantes, como é o caso dos autos. Não obstante o artigo 3º do mesmo diploma legal autorizar o Conselho de Ministros a dispensar este procedimento, mediante requerimento em casos especiais. Entretanto, conforme os números 7 e 11 daquele mesmo artigo, o decurso do prazo de 20 dias, contados a partir da data de recepção do parecer da autoridade de AIA implica em indeferimento tácito daquela pretensão.
No que diz respeito à classificação do projecto como PIN+, apresentado na altura do parecer, ainda que aquele atendesse aos requisitos para esta classificação, o que se verificou foi a ocorrência de ilegitimidade para requerer a classificação do projecto como PIN+, uma vez que segundo o artigo 5º do DL 285/2007, apenas é legítimo para tanto a Comissão e Avaliação de Acompanhamento dos projectos PIN. Não obstante mais irregularidades, a ilegitimidade, por si só já constitui uma causa de nulidade do acto administrativo.
Entretanto, como ficou comprovado através das provas documentais e testemunhais arroladas, não merece proceder o pedido dos autores no sentido de ordenar à Câmara Municipal que preste as devidas informações, uma vez que já foram facultados aos interessados.
Por outro lado, está devidamente comprovada a inexistência de audiência dos interessados no procedimento para licenciamento uma vez que a convocatória mencionada demonstra apenas o esclarecimento prestado aos interessados e não sua audiência. Desta forma, e seguindo de perto a doutrina do Dr. Vasco Pereira da Silva, na medida em que é violado o conteúdo essencial de um direito fundamental, a preterição desta formalidade implica a nulidade do acto administrativo, nos termos do artigo 133, nº 2, alínea d do CPA.
Quanto à constituição ou não de ameaça ao solo e aquíferos, não ficou comprovada. Logo, na ausência de AIA e, por consequência de decisão de impacto ambiental (DIA), como coloca o artigo 20º do DL 69/2000 e artigo 46º, nº 2, alínea a do CPTA gera a nulidade da licença.



Decisão:
Face a tudo o que ficou exposto acordam os juízes deste Tribunal:
Conceder provimento às seguintes acções e, em consequência declarar a nulidade do acto administrativo que dispensou a AIA, nos termos do artigo 20º do DL 69/2000, bem como a nulidade do Alvará concedido pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, nos termos do artigo 46º/2 al. a do CPTA.
Condena-se ainda à anulação do despacho do Conselho de Ministros que dispensa o referido procedimento de AIA, tendo em conta que o projecto não se enquadra no programa PIN+.
É absolvida a Câmara Municipal na condenação à prática de acto devido, pela consulta dos documentos requeridos pelo Sr. Jorge Neptuno.

Custas pagas
Lisboa, 26 de Maio de 2010

Sandra Tenrinho
Débora Janczura
Ana Luísa Carvalho




Sentença subturma3

Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa

Data do acórdão:
26/05/2010
Tribunal:
1 SECÇÃO DO CA
Relatores:
PINTO ALMEIDA
PINTO RAMOS
CARVALHO TEODÓSIO
Descritores:
Licenciamento ambiental
Dispensa de AIA
Direito de acesso a informação
Impugnação de acto administrativo
Processo: 067433/10

Sumário:
I – A construção de uma ETAR está sujeita a licenciamento ambiental e procedimento de AIA segundo o D.L. 69/2000 de 3 de Maio anexo II ponto 11 al. D)
II – Formalidade e pedido para dispensa de AIA, a pedido do proponente dando-se a mesma em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas.
III- Decorre do processo de construção da ETAR um direito de acesso à informação ambiental por parte dos particulares
IV- Anulação de um alvará segue o procedimento da acção administrativa especial na modalidade de impugnação de acto administrativo.

RELATÓRIO:

I - AUTORES:
a) Nereu Salgado, Presidente da Junta de Freguesia de Águas escuras, cuja sede da Junta de Freguesia se situa na Rua Verde nº 17890-001 sita na Freguesia de Águas escuras.
b) Associação AMIGOS DAS ÁGUAS ESCURAS, pessoa colectiva de direito privado portadora do NPC 503.564.536, com sede em Rua das Fontainhas, Lote 3, 2345-453 Vila Pouca de Alarico.
c) JORGE NEPTUNO, residente na Rua do Rio nº 30 3000-345, Águas Escuras, portador do B.I. nº 1554582 NIF 48765348.

II - RÉUS:
a) CONSELHO DE MINISTROS.
b) JOÃO SEBASTIÃO RIBEIRO & FILHOS SA, sede efectiva em Av. Da Praia n. 104 Porto de Galinhas, Brasil.
c) CÂMARA MUNICIPAL DE VILA POUCO DE ALARICO, com sede em calçada das Águas Livres lote 107 2780-334 Vila Pouca de Alarico, representado pelo Presidente da câmara, João Abílio Verdíssimo Suja Águas.


1 – A multinacional JSR & Filhos, SA pretende instalar uma Estação de Tratamento de águas Residuais (ETAR) no lugar de Águas Escuras destinada a servir a população de Vila Pouca de Alarico, município com cerca de 65.000 habitantes.

2 – A empresa pretende expandir a curto prazo a sua actividade de forma a abranger também os mais de 50.000 lares dos concelhos limítrofes.

3 – A unidade vai ser alimentada energeticamente, em parte, com recurso a painéis solares e a uma pequena central de biomassa privativa.

4 – O Presidente da Câmara considera que o projecto vai trazer emprego e investimento estrangeiro.

5 – Houve negociações informais entre os representantes da empresa JSR & Filhos S.A e o Presidente da Câmara.

6 – Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.

7 – Uma das várias razões invocadas para a dispensa foi o facto de o Plano de Pormenor de Águas Escuras, que já tinha sido sujeito a avaliação de impacte ambiental, prever uma instalação do género naquele local.

8 – Passados quatro meses o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacte ambiental.

9 – Dois dias após a publicação da resolução, o presidente da câmara de Vila Pouca de Alarico emitiu um alvará para o início das obras de instalação da ETAR.

10 – Também já tinha sido licenciada a expansão futura da instalação de forma a abranger um aterro de resíduos urbanos com capacidade de cerca de 25.000 toneladas.

11 – O terreno para construção localiza-se na área protegida da Ribeira do Magano.

12 – De modo que os AA vêm pedir a declaração de nulidade da resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 que visa a dispensa de AIA para a construção da ETAR na reserva natural de Ribeira do Magano, criada pelo D.R. 35/2008 de 26 de Fevereiro.

13 - Os AA pedem declaração de nulidade do alvará n.º 13/10 emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, que aprova o início das obras da instalação da ETAR na freguesia de Águas Escuras.

14 - O autor. JORGE NEPTUNO requer ainda condenação à entrega das plantas e informações requeridas sobre o projecto da construção da ETAR ou, subsidiariamente, condenação da Câmara Municipal de VPA ao pagamento de indemnização por todos os prejuízos sofridos pela construção da ETAR, incluindo lucros cessantes pela não venda do terreno 3.

15 - Os AA alegam o seguinte:

a) Que o local de licenciamento para construção encontra-se na área protegida da Ribeira do Magano, criada pelo Decreto-Regulamentar nº 35/2008 de 26 de Fevereiro dada a manifesta excepcionalidade do interesse ecológico regional da área em questão.
b) Encontra-se, segundo o artigo 9º do referido DR, numa zona de protecção especial, sendo de aplicar o seu regime legal específico.
c) A implementação de projectos que envolvam a instalação de estações de tratamento de águas residuais de capacidade superior a 60.000 hab/eq fica sujeito ao critério da inevitabilidade;
d) O critério da inevitabilidade assenta na imprescindibilidade da infra-estrutura para a satisfação dos interesses da comunidade local, critério este que deve ser interpretado teleologicamente e com respeito pelo princípio da precaução, entendendido aqui como uma ideia de prevenção agravada ou mais exigente.
e) Apenas devem ser aprovados os projectos que fundamentem o interesse manifesto, que possa contrabalançar o peso ambiental de que se reveste a zona de protecção mencionada.
f) Perante a extrema relevância do bem ambiental e do potencial dano irreversível que possa vir a ocorrer, deve dar-se preferência ao ambiente: in dubio pró ambiente.
g) Existe na Ribeira do Magano uma espécie muito rara – a Petinga de Águas Escuras (peixe) – de relevante interesse ecológico.
h) Ainda não existem conhecimentos científicos sólidos acerca da possibilidade da sua afectação biológica pela ETAR;
i) A insipiência de dados científicos conjugada com a raridade desta espécie conduz, segundo a AA, à inviabilidade de construção de uma ETAR com a capacidade que está referida no projecto sujeito a aprovação.
j) Há violação do princípio da precaução pois deveria ter sido considerado o mau enquadramento da ETAR na paisagem.
k) O AA Nereu Salgado alega, ainda, que Águas Escuras é uma região fortemente predominada pela agricultura pelo que vai determinar inconvenientes à construção da ETAR, pois uma parte da população de águas Escuras vai ver a sua actividade reduzida por falta de campos para plantação.
l) Haverá, ainda, diminuição das exportações de frutos e legumes para Espanha, uma vez que a maior parte do volume de exportações é feita por produtos desta zona.
m) Haverá impacto negativo na flora local.
n) Considera o AA que não se fez uma ponderação adequada dos possíveis danos causados pela construção da ETAR.
o) O Presidente deveria ter apresentado o estudo de impacte ambiental (EIA) juntamente com o requerimento de dispensa de AIA;
p) Não deveria ter sido dispensada a AIA, uma vez que não se está perante circunstâncias excepcionais que possam fundamentar a ausência desta avaliação.
q) O AA declara que a dispensa de procedimento de AIA deveria ter sido decidido pelo Ministro Responsável pela área do Ambiente e pelo Ministro da Tutela e não pelo Conselho de Ministros, verificando-se a nulidade da dispensa.
r) Alega, ainda, que a expansão da construção enquadra-se na situação de “alteração da instalação”, segundo o artigo 10º do DL 173/2008 de 26 de Agosto. Trata-se, assim, de uma situação de alteração substancial da instalação que deverá ser precedida de um pedido de licença ambiental.
s) A expansão futura do aterro de resíduos urbanos não dispõe de licenciamento ambiental.
t) O AA Jorge Neptuno alega, por sua vez, que, sendo proprietário de três terrenos no lugar de Águas Escuras, onde se desenrola toda a sua vida pessoal e profissional, seria prejudicado com a construção da ETAR, nomeadamente pelo facto de provocar poluição visual e sonora.
u) Afirma que o alvará emitido pela CM de VPA não foi devidamente fundamentado. E que, além disso, não foi afixado edital no Município nem foi publicado qualquer anúncio em nenhum jornal de grande circulação.
v) O AA em questão procurou informar-se junto da Câmara e não obteve nenhuma resposta.
w) Requereu, ainda, o acesso às plantas do projecto que lhe foi recusado sem qualquer fundamentação.
x) Não houve lugar a audiência dos interessados.
y) Alega a existência de terrenos baldios onde poderia ser construída a ETAR, não ferindo assim os seus direitos subjectivos.

16 – Os RR contestaram nos seguintes termos:

a) O RR Conselho de Ministros alega a ineptidão da PI do AA Nereu Salgado por falta de demanda do RR para acção nos termos do art. 89/1 al. A do CPTA e subsidiariamente pelo art. 193º do CPC.
b) Foi apresentado um projecto de minimização ambiental, pela autoridade da AIA.
c) A resolução foi tomada em conformidade havendo assinatura do Ministro responsável
d) Foi feita uma proposta ao AA Jorge Neptuno quanto aos seus terrenos para uma transposição real do seu negócio para terrenos baldios detidos pela Câmara Municipal;
e) Será atribuída ao AA uma indemnização devido a essa transposição real de todo o ambiente que envolva o turismo rural e o seu negócio.
f) O terreno para onde será o AA relocalizado tem um valor nominal superior ao actual.
g) A construção da ETAR está preparada para evitar impactos negativos no ambiente.
h) Deve-se ter em conta toda a conjuntura cultural e social que envolve a construção da ETAR que indica a presença de um interesse público, inclusive pelo facto de que a zona em questão é fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de desemprego e pobreza, podendo este projecto ser considerado um motor de desenvolvimento da área.
i) O interesse público em causa deve-se às especificidades da região já que se trata duma zona fortemente desertificada, pouco desenvolvida, com forte taxa de emprego e pobreza e que o projecto da ETAR será considerado um motor de desenvolvimento da área, das condições de vida dos residentes.
j) Já o RR JSR SA alega que a construção da ETAR mantém um nível relativamente baixo de intervenção, já que não afecta a movimentação da terra e terraplenagem, logo não se prevêem alterações significativas na morfologia do terreno em causa.
k) A contestante após consulta da empresa de outsourcing “Ambiente Verde” vem a concluir pela inexistência de quaisquer inconvenientes à construção da ETAR;
l) Apesar de se tratar duma zona agrícola, o grande volume de exportações de frutos e legumes vem da zona oeste do país que não abrange VPA.
m) As espécies existentes na zona têm igual abundância em qualquer outro ponto do país, nomeadamente a Petinga, cujos dados científicos comprovaram que a espécie, embora rara, se desenvolve e reproduz noutro tipo de águas da região.
n) É urgente a construção da ETAR no Município de VPA, uma vez que irá satisfazer as necessidades dos seus munícipes e também dos habitantes do Município vizinho de Vila Muita de Alarico.
o) Todo o procedimento de dispensa de AIA foi respeitado.
p) O aterro de resíduos urbanos não é considerado uma “alteração substancial” pois já estava presente no projecto inicial.
q) O RR Presidente da Câmara Municipal de VPA foi citado pelos AA para contestar e não se pronunciou.

Perante estes factos e depois de produzida toda a prova pelas partes, dão-se como provados os seguintes factos:
MATÉRIA DE FACTO:
1) O local de construção da ETAR encontra-se na área da Paisagem Protegida de Ribeira do Magano.
2) A Petinga, como animal de água salgada, subsiste e desenvolve-se em habitats diferentes do da Ribeira do Magano
3) A Petinga não é uma espécie muito rara porque existe noutras zonas do país.
4) A existência da outra ETAR nas imediações de Vila Pouca de Alarico considera-se insuficiente para satisfazer as necessidades dos residentes desta zona.
5) Jorge Neptuno é proprietário de três terrenos, em dois quais se situam a moradia onde habita com a sua família, o negócio de turismo rural que integra várias pequenas casas, um estábulo e um rio, e o terceiro encontra-se a venda, existindo um potencial adquirente.
6) Jorge Neptuno emprega cinco funcionários que dão conta das várias tarefas inerentes ao negócio do turismo rural.
7) O negócio em questão é o único meio de rendimento do agregado familiar de Jorge Neptuno.
8) Houve proposta do Conselho de Ministros para a transposição real do negócio do autor para terrenos baldios da CM de VPA.
9) Foram enviadas duas cartas pelo autor para requerimento de informações referentes ao projecto de construção da ETAR
10) Não houve resposta aos pedidos de acesso à informação
11) Não houve audiência de interessados.
12) O Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico não contestou nem constituiu mandatário judicial.
13) Há interesse local na construção da ETAR
14) Existem outros terrenos baldios do Município onde poderia ser construída a ETAR.

Cumpre agora fazer um enquadramento jurídico da matéria de facto provada:

MATÉRIA DE DIREITO:
O procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA) não foi legalmente realizado. Nos termos do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio a AIA é um instrumento preventivo, que tem como linha orientadora a promoção do desenvolvimento sustentável, a gestão equilibrada dos recursos naturais, contribuindo, dessa forma, para a melhoria da qualidade de vida do Homem.
A construção de uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) está sujeita a AIA, como é confirmado pela leitura do n.º 3 do art.1º do decreto-lei referido, conjugado com os anexos I e II do mesmo.
Como se trata de uma construção destinada a servir cerca de 65.000 habitantes estamos no âmbito do ponto 11, al.d) do anexo II do decreto-lei 69/2000.
A autoridade licenciadora, no caso sub judice é a Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, decide se os projectos que lhe são submetidos para licenciamento estão ou não sujeitos a AIA, como dispõe o art. 2º-A, n.º 1 do Decreto-lei 69/2000.
A dispensa do procedimento de AIA apenas pode ocorrer em situações excepcionais e devidamente fundamentadas (art. 3º do decreto-lei supra referido).
No caso ,a razão apresentada foi a existência de um plano anterior – Plano de Pormenor de Águas Escuras – o qual já tinha sido sujeito a AIA e no qual já se previa uma instalação do mesmo género.
Este tribunal considera que, visto que se trata, no caso sub judice, de uma construção muito mais específica, não pode ser tido em linha de conta um plano anterior, nem é uma situação excepcional aquela que é invocada pelas entidades demandadas, e tratando-se de uma área onde se situa uma Paisagem Protegida – a Paisagem Protegida de Ribeira do Magano (criada pelo Decreto Regulamentar 35/2008 de 26 de Fevereiro), não parece que existam razões para tal dispensa, muito pelo contrário.
Esse pedido de dispensa deve ser apresentado pelo proponente, no caso a multinacional João Sebastião Ribeiro & Filhos S.A, à entidade competente para licenciar, Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico (art. 3º, n.º2 Decreto-lei 69/2000), requisito esse que não foi respeitado no caso, pois o requerimento de dispensa foi apresentado ao Governo.
A entidade responsável pelo licenciamento deve pronunciar-se sumariamente sobre o requerimento de dispensa, no prazo de 15 dias, e remetê-lo à autoridade de AIA que junta parecer (art.3º, n.º 3), tal também não foi feito no caso sub judice.
A autoridade de AIA remete o seu parecer para o ministro responsável pela área do ambiente, no prazo de 30 dias, nos termos do n.º4 do art. 3º do decreto-lei anteriormente referido, também esse trâmite do procedimento não ocorreu.
Recebido esse parecer o ministro responsável pela área do ambiente tem 20 dias para decidir o pedido de dispensa do procedimento de AIA, sendo que a decisão de deferimento deve ser acompanhada do elenco de um conjunto de medidas a ser respeitado pelo proponente para minimização do impacto ambiental (art.3, n.º 7).
Este tribunal considera que essa decisão poderia ter sido tomada em Conselho de Ministros, uma vez que o ministro responsável pela área do ambiente dele faz parte e tem a liberdade de, perante este órgão colegial, propor e discutir todas as propostas ambientais que demonstrem um interesse público.
O direito à informação dos particulares relativamente a processos administrativos está previsto no art.268º da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como nos arts. 61º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Este tribunal considera que, uma vez que o A. Jorge Neptuno é directamente interessado na construção da ETAR, tinha direito a ser informado pela Câmara Municipal de Vila de Alarico sobre o andamento do processo de autorização de construção da referida instalação.
O A. Jorge Neptuno deveria ter sido ouvido em audiência de interessados ao abrigo dos artigos 100º e seguintes do CPA e artigo 267º, n.º 5 CRP
Por outro lado, o próprio procedimento de avaliação de impacto ambiental prevê um direito de participação do público interessado nesse procedimento, prevendo um período de participação e consulta pública como dispõe o art. 14º do decreto-lei 69/2000.
Nos termos dos artigos 78º, n.º 2, al. e) e 89º, n.º 1, al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e subsidiariamente art. 193º do Código de Processo Civil, deve considerar-se a petição inicial do A. Nereu Salgado, Presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, como inepta pois não demandou o órgão que praticou o acto que impugna.
O Município de Vila Pouca de Alarico, representado pelo Presidente da Câmara João Suja Águas de Abílio Verdíssimo, foi citado na qualidade de réu nos termos do art. 480º CPC, aplicável subsidiariamente como dispõe o art. 1º do CPTA.
Uma vez citado e não tendo sido deduzida contestação, nem constituído mandatário consideram-se confessados os factos articulados pelos AA contra o Município de Vila Pouca de Alarico, nos termos dos arts. 483º e 484º CPC, verificando-se uma situação de revelia operante absoluta.
A Ribeira do Magano é uma Paisagem Protegida criada pelo Decreto Regulamentar 35/2008 de 26 de Fevereiro, pois existe um manifesto interesse ecológico regional na área em questão.
A instalação da ETAR pretenda iria localizar-se precisamente dentro do perímetro da Paisagem Protegida (art.3º do Decreto Regulamentar 35/2008), estando o terreno situado numa Zona de Protecção Especial.
Por isso, fica sujeita ao critério de inevitabilidade, ou seja para ser possível a construção neste tipo de zona a construção da referida infra-estrutura tem de ser imprescindível para a satisfação dos interesses da comunidade local.
Este tribunal entende que não existe um carácter imprescindível na construção da ETAR de tal modo elevado que justifique colocar em causa a riqueza natural/paisagística da Paisagem Protegida Ribeira do Magano.
Visto que existem terrenos baldios, pertencentes à Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, pelos quais o rio também passa mas que não se encontram na área de Paisagem Protegida e não colocam em causa o património paisagístico da região, a construção da ETAR, a ser realizada, respeitando os trâmites procedimentais de licenciamento ambiental e de avaliação de impacto ambiental, deverá ser feita nesses terrenos.
O art. 66º CRP consagra um direito fundamental ao ambiente “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Com a construção da ETAR num terreno adjacente aos terrenos do A. Jorge Neptuno, este vê afectado o seu direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, assim como é prejudicada a sua actividade de turismo rural, pois é a bela paisagem e calma daquela região a principal atracção turística.
Sendo assim, não poderá existir a transposição nem da residência nem da actividade de turismo rural para outra zona.
Porém, este tribunal considera que não deverá haver lugar à indemnização requerida pelo A. Jorge Neptuno, uma vez que a construção da ETAR ainda não se iniciou, nem se verificando lucros cessantes.

DECISÃO:
Por todo o exposto, pelas apontadas razões de facto e de direito, este tribunal julga a presente acção procedente, acordando:
Considera-se improcedente o pedido de anulação pelos AA. da resolução nº50/2010 do Conselho de Ministros;
É improcedente o pedido de indemnização;
Dá-se provimento ao pedido dos AA. anulando-se o alvará de construção emitido pelo Município de Vila Pouca de Alarico, tendo existido revelia por parte deste réu;
Condena-se à prática de procedimento de avaliação de impacto ambiental, respeitando os requisitos legais.;

As custas em dívida a juízo serão suportadas pelos réus.
Registe e Notifique.

Lisboa,
26 de Maio de 2010
Liliana Almeida
Mariana Ramos
Ramiro Teodósio