quarta-feira, 26 de maio de 2010

Despacho Saneador - Subturma 6

Supremo Tribunal Administrativo
Processo nº 001357/10 - Acção Administrativa Especial de Impugnação de Acto Administrativo
Autor(es): Jorge Neptuno, Nereu Salgado, Presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, e Associação “Amigos de Águas Escuras”
Réu(es): Presidência do Conselho de Ministros, Joaquim Gregório, Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico e João Sebastião Ribeiro, S. A.

Despacho Saneador
Nos termos do n.º 1 do Artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), profere este Tribunal despacho saneador, para conhecer das excepções e irregularidades processuais, com vista a regularizar a instância e a definir a base instrutória.

I – SANEAMENTO DO PROCESSO

Nos termos do Artigo 11.º e do ponto iii) da alínea a) do Artigo 24.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, este Tribunal declara-se competente para apreciar a causa.

As partes de acordo com o Artigo 5.º do Código de Processo Civil (CPC), por remissão do Artigo 1.º do CPTA, têm personalidade judiciária, e têm legitimidade activa, nos termos do Artigo 9.º do CPTA, o Sr. Jorge Neptuno, a Junta de Freguesia de Águas Escuras, representada pelo Sr. Nereu Salgado e a Associação “Amigos de Águas Escuras” e legitimidade passiva, de acordo com o Artigo 10.º do CPTA, a Multinacional João Sebastião Ribeiro, S.A., a Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, representada pelo seu Presidente, Sr. Joaquim Gregório e a Presidência do Conselho de Ministros.

O valor da causa é de 30.001,00 €.

II – SELECÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE E CONTROVERTIDA:

Considerando a impossibilidade de desde já conhecer o mérito da causa, o Tribunal nos termos do Artigo 511.º do CPC considera assente a seguinte matéria de facto, que deve ser vertida na base instrutória:

1. A empresa João Sebastião Ribeiro, S.A., especializada na área de tratamento de resíduos, apresentou, na Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico, um projecto de instalação de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais no lugar de Águas Escuras.
2. O projecto consiste na instalação de uma ETAR destinada a servir a população de Vila Pouca de Alarico, município com cerca de 65.000 habitantes.
3. Inicialmente orientada apenas para o centro urbano da vila, a curto prazo a empresa pretende expandir a sua actividade de forma a abranger também os mais de 50.000 lares dos concelhos limítrofes.
4. O Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico é um apoiante do projecto por considerar que vai trazer emprego e investimento estrangeiro no valor de cerca de 100 milhões de Euros ao município, para além de vir a contribuir para um aumento da qualidade da protecção ambiental da região.
5. Mostrando-se ainda entusiasmado com o facto de a unidade vir a ser alimentada energeticamente, em parte, com recurso a painéis solares e a uma pequena central de biomassa privada, o que no entender do autarca reflecte uma realidade absolutamente exemplar.
6. Decorreram negociações informais entre os representantes da empresa João Ribeiro, S.A, e o Presidente da Câmara.
7. Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.
8. Foi invocado o facto do Plano de Pormenor de Águas Escuras, que tinha sido sujeito a avaliação de impacto ambiental, já prever uma instalação do género naquele local.
9. Passados quatro meses o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental.
10. O “profundo interesse nacional em causa e a necessidade de Portugal aumentar a qualidade do tratamento de águas residuais nos municípios do interior” foram os fundamentos da dispensa.
11. Dois dias após a publicação da resolução, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico emitiu um alvará para início das obras de instalação da ETAR.
12. O Presidente da Junta de Freguesia de Águas Escuras, Nereu Salgado, demonstrou desconfiança relativamente ao licenciamento.
13. Achava que alguma coisa não lhe parecia bem neste licenciamento e entendia que não havia razão para dispensar o procedimento de avaliação de impacto ambiental.
14. Também o facto de complementarmente à ETAR se encontrar prevista a expansão futura da instalação de modo a abranger também um aterro de resíduos urbanos com capacidade para cerca de 25.000 toneladas e esta estar também já licenciada leva-o a defender que poderia eventualmente faltar também a realização do licenciamento ambiental do projecto.
15. A Associação Ambientalista Local “Amigos das Águas Escuras” está indignada com a localização da ETAR.
16. Invoca que o terreno se encontra dentro da área da Paisagem Protegida da Ribeiro do Magano.
17. E que, por isso, o princípio da precaução implica que a Administração não autorize a construção da ETAR.
18. Jorge Neptuno é proprietário de alguns terrenos perto de Águas Escuras.
19. O mesmo queixa-se de não ter tido oportunidade de se pronunciar sobre a construção da ETAR e de, hoje em dia, ninguém lhe facultar acesso às respectivas plantas.
O Tribunal, considera controvertida, ainda nos termos do Artigo 511.º do CPC, a seguinte matéria de facto relevante para a decisão da causa:
1. O facto de Jorge Neptuno habitar num dos seus estabelecimentos, nomeadamente no terreno A;
2. A existência de espécies em vias de extinção na região de Águas Escuras;
3. O facto de ter sido realizada consulta pública para ponderação do interesse colectivo;
4. A ETAR em causa poder vir a afectar o comércio tradicional de Jorge Neptuno;
5. O facto de Jorge Neptuno sucessivamente se ter dirigido à Câmara Municipal de Vila Pouca de Alarico sem nunca ter obtido resposta aos seus pedidos sucessivos de informação;
6. Ter ou não havido acesso por parte de Jorge Neptuno às plantas de construção da infra-estrutura;
7. O impacto negativo para a paisagem bem como a adopção de medidas apropriadas à minimização do prejuízo ambiental provocado pela instalação da ETAR;
8. A observância de todos os requisitos legais no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros;
9. Ter havido lugar a procedimento com vista à classificação da Ribeira do Magano como área de paisagem protegida;
10. Terem sido realizados vários estudos prévios de impacto ambiental.

Supremo Tribunal Administrativo, aos 26 de Maio de 2010.
Os Juizes Conselheiros,

Miguel Labisa
Petra Camacho
Tiago Gonçalves

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